São Roque da Matinha: Primeira Paróquia Quilombola

Por meio do canto e da dança o povo mostra a sua alegria como comunidade. Foto: Jaime C. Patias

O 28 de novembro 2021 sempre permanecerá como data significativa e histórica nos arquivos da Igreja da Arquidiocese de Feira de Santana na Bahia e dos missionários da Consolata. Foi inaugurada a primeira Paróquia Quilombola no Brasil.

Por Wilson Gervace Mtali *

No Quilombo Matinha dos Pretos se reuniram fiéis de várias paróquias e outras pessoas de boa vontade para testemunhar a elevação da Paróquia São Roque, a primeira Paróquia num território quilombola que tem como compromisso principal a luta pelos direitos do povo quilombola. Por isso, a Paróquia não só se encontra no território quilombola, mas carrega o nome “Paróquia Quilombola”

A abertura da Paróquia num território Quilombola manifesta o compromisso da Igreja com os marginalizados e oprimidos, a Igreja que sai para estar no meio do povo que clama e luta por seus direitos. Pois a Igreja anuncia o Deus que vê, ouve o clamor do seu povo e desce para libertá-lo, o Deus libertador, o Deus que se compadece com o sofrimento do seu povo, como afirma o livro de Êxodo “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi o grito de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos, desci para libertá-los” (Ex 3,7-8).

Igreja Matriz da Paróquia Quilombola São Roque da Matinha. Foto: Jaime C. Patias

A Igreja tem a missão de anunciar um Deus libertador, Deus que se preocupa com a vida do seu povo, principalmente a vida ameaçada pelos poderes opressores. A presença da Igreja nas comunidades quilombolas quer afirmar essa verdade sobre a sua missão.

Os missionários da Consolata que trabalham nessa Paróquia são os Padres Luiz Antônio de Brito (Pároco) e Ibrahim Musyoka, e o Diácono Wilson Mtali, todos comprometidos com a Pastoral Afro.

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Quilombo. O que é?

A palavra “Quilombo” não é falada, ou seja, não é muito comum aos ouvidos de muitas pessoas, talvez por falta de interesse ou porque é uma coisa que se refere ao grupo oprimido, que na maioria das vezes, senão todas as vezes, não atrai a atenção da a maioria.

O Quilombo tem a sua origem no tempo escravista e existe até hoje. Certamente os quilombos de 1700, não são quilombos de hoje, portanto, pode-se falar de Quilombo tradicional e Quilombo contemporâneo. Um elemento que permanece ao longo da evolução das comunidades quilombola é a luta, Quilombo é sinal e lugar de luta e resistência. É lugar de luta pelos direitos e resistência contra toda opressão e discriminação que o povo negro sofre desde que se deu o início de escravatura até nos dias de hoje.

Celebração no dia da instalação da Paróquia Quilombona, São Roque da Matinha, na Bahia. Foto: Paróquia São Roque

Pode-se dizer então que o Quilombo histórico era “habitação de negros (escravos) fugidos em lugares não povoado como sinal de protesto às condições desumanas e alienadas a que estavam sujeitos. Os escravos fugitivos reuniram-se em locais ocultos, montanhosos e de difícil acesso, com objetivo de se fazerem fortes e viverem livres e independentes conseguindo, em alguns casos, o estabelecimento de culturas à maneira africana. O Quilombo, portanto, representava uma das formas de resistência contra o sistema escravocrata, era uma manifestação do desejo do povo negro de ser livre de todas as formas de opressão.

O pároco, Padre Luiz Antônio de Brito, com o decreto da criação da primeira Paróquia Quilombola no Brasil.

O Quilombo contemporâneo não constitui de fugidos, mas filhos de afrodescendentes que formaram essas comunidades, constitui um povo que deseja ser livres de várias formas de escravização moderna. A precariedade de condições humanas necessárias nessas comunidades como saúde, educação, transporte e outras condições representa a forma de discriminação nos dias de hoje que de fato representa a escravização do povo negro. São condições que nos indicam a verdade de que o escravismo foi abolido no papel e não na realidade, pois os descendentes de escravos “o povo negro brasileiro” ainda sofre as consequências da escravidão, e ainda é um povo sem direitos.

Por que a presença da Igreja numa comunidade quilombola?

O Concílio Vaticano II afirma que “a Igreja é Sacramento universal de salvação”. Essa Igreja tem Cristo como cabeça, Cristo o Salvador e libertador. A Igreja na comunidade quilombola quer afirmar que a salvação não se reduz à salvação da alma, mas do ser humano como todo.

Diácono Wilson Mtali com os padres Ibrahim Musyoka, Stefano Camerlengo, Luiz Antônio e Luiz Emer durante Visita Canônica em Matinha. Foto: Jaime C. Patias

O próprio Jesus na inauguração do seu ministério público afirma que a vinda do Reino se dá pela libertação do ser humano de todas as formas da escravidão, do corpo e de alma: “O Espírito de Deus está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclama a libertação aos presos, e aos cegos a recuperação da vista, para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça da parte do Senhor” (Lc 4,17-19).

O interesse de Jesus é a salvação do ser humano integral, não só de uma parte. Ele anuncia o Reino de vida: “Eu vim para que todos tenham vida, a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Assim, a presença da Igreja numa comunidade quilombola afirma esse compromisso com o Reino, o compromisso com a vida do povo negro. A Paróquia Quilombola é presença de Cristo libertador, é parceira de luta pelos direitos do povo Quilombola. Os missionários da Consolata estão presentes nesse território Quilombola como aqueles que anunciam a consolação que é Cristo o Libertador.

Uma das marcas do provo afrodescendente é a música e a dança.

Colaborando com esse povo para que o Reino de Deus se faça presente, não o reino de discursos, mas lutando junto com o povo para que haja os valores humanos que manifestam a verdadeira presença do Reino de Deus, o Reino de igualdade, fraternidade, paz e amor, o Reino onde a vida de todos se coloca em primeiro lugar.

* Diácono Wilson Gervace Mtali, IMC, é tanzaniano, estudou teologia em São Paulo e fez pastoral na Paróquia São Roque da Matinha, Bahia.

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