Indígenas venezuelanos e sua inserção em território brasileiro

7 de dezembro de 2021
Fotos: Isaack Mdindile.

“Antes de tudo somos Indígenas e não migrantes, primeiramente, e essa é a nossa identidade” explica Carmem Conejero, responsável pela etnia indígena Eñepa que se encontra atualmente no abrigo Jardim Floresta em Boa Vista.

Por Equipe Itinerante IMC América

Os missionários e as missionárias da Consolata, não só acompanham os indígenas nas suas diversas manifestações étnicas, mobilidade e organização, mas primeiramente digamos que a causa indígenas faz parte do DNA do carisma dos dois Institutos fundados pelo Bem-aventurado José Allamano. Hoje os indígenas-migrantes das etnias Warao, Eñepa e Karina, da Venezuela, se encontram em cinco abrigos no estado de Roraima e o modelo desse recolhimento não serve para a cosmovisão dos povos indígenas.

A maioria dos abrigos está superlotada, e, portanto, em péssimas condições de acolhimento. Há falta de comunicação dos gestores do abrigo com as lideranças indígenas e os órgãos competentes de resguardo dos direitos indígenas – Fundação Nacional do Índio e Secretaria Especial da Saúde Indígena – têm prejudicado deliberadamente ações de acompanhamento e atenção adequada ao bem viver dos povos indígenas.

Observando a conjuntura desses povos em geral e em diferentes estados da federação, temos visto que muitas decisões sobre terras e migração indígenas têm sido tomadas sem consulta e diálogo prévio junto aos povos indígenas, gerando insegurança e desconfiança entre eles como é o caso, que foi publicada em 13 de novembro, em diversos veículos informativos, a notícia sobre a existência de um plano para transferir os indígenas Waraós, Eñepa e Karina dos abrigos Pintolândia, Nova Canaã e Tancredo Neves para o abrigo Rondon 3, que já comporta mais de 1400 pessoas, não-indígenas.

A maioria dos líderes indígenas está contra, portanto protestando contra esse plano, pois teme que essa unificação forçada seja imposta e vai aumentar a precarização e descaso para com os povos.

É importante dizer que o Estado brasileiro tem conhecimento da presença dos povos indígenas no fluxo migratório venezuelano há pelo menos seis anos. Entretanto, não há até hoje uma política consistente e adequada de acolhimento em condições dignas para essa população. Por exemplo, as políticas de acesso à educação e saúde são muito precárias, estando os indígenas-migrantes excluídos da subsistência de saúde indígena. Só SUS por serem migrantes e, por isso, considerados não aldeados.

Sempre que os indígenas saem das fronteiras, tanto as físicas quanto as simbólicas, impostas para que continuem fora, ainda que dentro, é reeditada a versão de que são manipulados pelas ONGs e que os indígenas não falam por si. Por isso encontram-se, muitas vezes impossibilitados de recebimento de atenção em saúde de acordo com os pressupostos de cuidado intercultural, entre outras especificidades próprias das populações indígenas e originais.

Traçar novos caminhos de resistência e resiliência

Dentro desse quadro de extrema vulnerabilidade e violação sistêmica dos seus direitos, os indígenas sempre (isso já se comprova historicamente) vão buscando e traçando novos rumos de resistência e sobrevivência, preservando a sua identidade e seus modos de vida.

Interessante é que uma das estratégias de sobrevivência dos indígenas-migrantes aqui no Brasil foi reforçar aquilo que podemos chamar de sinodalidade e parceria com outras instituições como Conselho Indígena de Roraima (CIR), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Pastoral Indigenista, Missionários da Consolata, Cáritas Brasileira, Fundación Panamericana para el Desarrollo (Fupad), Fé e Alegria (dos missionários jesuítas), enfim todas as organizações eclesiais da Diocese de Roraima que reconhecem e promovem os direitos coletivos dos povos indígenas e a sua autonomia.

Foi neste contexto que os Missionários da Consolata organizaram um encontro intercultural e inter-religioso na Igreja Nossa Senhora de Livramento em Boa Vista.

“Para nós, Missionários da Consolata, o diálogo inter-religioso é fundamental, pois, implica compreensão mútua; dissipa preconceitos e promove conhecimento e apreciação comuns. Hoje em dia, aprender sobre outras crenças, língua e cultura é um aspecto importante para convivência e compreensão intercultural” completou Padre Isaack Mdindile, membro da Equipe Itinerante dos Missionários da Consolata.

Milly Rodriguez é líder da etnia indigena-Taurepang e coordena um projeto chamado “Música sem fronteira”. Os Taurepang estão fora dos abrigos e buscam independência, usam a arte e seus talentos como uma forma de resistência, mas, sobretudo como uma riqueza cultural.

“Nós não somos um problema, nem tampouco atrasados, como a sociedade nos rotula muitas vezes. Queremos celebrar nossa cultura com dignidade, queremos reconhecimento do nosso corpo-terra” diz Milly. A Igreja anunciadora da palavra se faz ouvinte diante da riqueza cultural dos povos da Amazônia. Da inculturação, passamos à interculturalidade. 

“Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza e família humana” (Cf Querida Amazônia, 7). Os povos indígenas são fonte de inspiração para revisão dos sentidos, da história, das práticas sociais, políticas construídas até hoje.

“Não queremos mais ficar nos abrigos, lá há muita negligência e violação dos nossos direitos. Queremos um espaço próprio para viver a nossa vida e espiritualidade. Precisamos de justiça, fiscalização e transparência de todo trabalho da Operação Acolhida responsável pelos abrigos. E o Acnur (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) também tem muita conivência, já que é parceiro do Exército nos abrigos de Roraima” diz Leany Torres Moraleda, cofundadora da “Warao a Janoko”, primeira comunidade de migrantes indígenas Warao e Kariña, localizada no município de Canta (RR).

Comunidade Warao a Janoko-Canta. Foto: Isaack Mdindile.

Já para Jama Peres, da etnia Wapichana e mestra em Letras, a questão indígenas-migrantes não é isolada e precisa ser abordada num horizonte maior e sistêmico de acabar com direitos constitucionais indígenas que são um conjunto cosmológico, contínuo e universal. São cláusulas pétreas e inamovíveis.

“É urgente resistir a esse projeto que abre caminho a novo genocídio e recolonização. Somos todos parentes. As nossas relações e teias ultrapassam fronteiras e mapas convencionais. Que não percamos a fé” diz ela com convicção.

Enfim, nós como discípulos-missionários, acreditamos que se faz necessário o encontro intercultural entre a proposta de Iniciação à Vida Cristã e as raízes culturais dos diversos povos amazônicos, seguindo o princípio que “a Boa Nova dos povos indígenas acolhe a Boa Nova de Jesus. Nesse sentido, integrar ritualidades e ritos de passagens presentes nas diversas etnias ao itinerário de Iniciação à Vida Cristã se faz necessário. Da mesma forma, inserir nas liturgias elementos culturais próprios destes povos. Para tal serão necessários espaços de diálogo recíproco para aprender a cultura dos povos originais. É preciso construir e consolidar junto aos movimentos indígenas uma relação de confiança, diálogo, respeito e contato direito com as lideranças para identificar as possibilidades de apoio e colaboração.

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