Com que poderíamos comparar a Amazônia? Quando penso na Amazônia, me vem em mente a Mãe de Jesus, sinal de esperança e vida para muitos povos e nações.
Por Izaias Melo Nascimento *
Assim como Maria, com a Amazônia, não é diferente, por ser ela, também sinal de esperança e vida. Ela é mãe e pai à medida que acolhe, dá de comer, protege, dá vida a todos os que nela habitam. Contudo, antes de ser geradora de vida, ela é nossa irmã. Irmã porque todos temos a mesma origem, o mesmo pai, a quem chamamos de Deus.
Muito comenta-se acerca da riqueza desse bioma, escritos, informação transmitidas por vias orais, histórias e lendas são contadas, porém, poucos são os que realmente a conhecem. Quem verdadeiramente poderia transmitir algum tipo de conhecimento, não apenas informação, são os povos (indígenas) nativos que nele vivem.
Porém, esses povos são silenciados, incompreendidos, obrigados a viver na invisibilidade e (in)culturalmente descritos como selvagens e atrasados. A maioria das pessoas que vem de outras regiões do Brasil e do mundo tentam uniformiza-los. Esquecendo que a vida é dinâmica, multiétnica, pluricultural e complexa.
Por anos, a sociedade moderna, crer que os povos originários da Amazônia devem ser “civilizados”, integrados nas grandes cidades, construídas sobre o ventre da mãe natureza.
Passaram-se mais de 500 anos desde o primeiro contato com os povos nativos, ainda hoje, em pleno século XXI, alguns seres humanos continuam a mesma ideia: “temos que civilizá-los”. Nossa sociedade desenvolvimentista e extremamente predatória vê a Amazônia como um lugar atrasado e não se dão conta de que não estamos mais vivendo na época da colonização.
É triste ver que em todos esses anos de contato e convivência, pouco se aprendeu e conheceu acerca desse bioma. E mesmo sabendo tão pouco, muito se escreveu. Assim como ocorre com a Amazônia, também sucede com Maria, uma das personagens bíblicas mais influentes e comentadas no mundo cristão, porém, o que se sabe sobre ela é pouco diante de sua influência na religião.
Ser Igreja na Amazônia
Como ser Igreja desde e para a Amazônia? Para essa pergunta, talvez não exista uma resposta, pois qualquer resposta limitaria os processos da Igreja ante essa realidade. Não existe um manual ou um GPS como tal, talvez exista um caminho, que é a própria Amazônia com suas particularidades, que desafiam a Igreja a sair da condição de evangelizadora à condição de evangelizada.
Ser Igreja na Amazônia, começa por desconstruir os paradigmas, que ao longo dos anos, foram sendo estabelecidos como verdades. A Amazônia não é sinônimo de dificuldade, calor, distância, selva, animais, rios, entre outros fatores, ela é vida, vida essa que deve ser cuidada e respeitada.
Se queremos atribuir algo a ela, deveria ser: vida em plenitude, a grande mãe, o primeiro testamento, referência para o segundo. A mãe reconhecida por poucos e desconhecida por muitos. Só Maria é tratada com essa mesma compreensão!
Pode-se dizer que a Amazônia é a figura de uma mãe sofredora, seus principais agressores são seus próprios filhos, não os filhos que aí estão desde sempre, mas os novos que chegam. Não existe dor maior do que dar o melhor de si e receber o pior tratamento em troca.
O tempo ecológico
É importante não pensar a Amazônia com ideias lineares e preconcebidas. Como Igreja é indispensável deixar-se guiar pelas distintas realidades, conhecê-las, ter contato, sair da informação e investir mais no conhecimento.
Ela desvela-se aos que permitem-se trocar experiências, aprender com seus habitantes e o meio ambiente. Para isso, é necessário tempo, não o tempo que conhecemos, não o tempo cronológico, mas o tempo que dita a vida dos povos que nela habitam, tempo esse que poderíamos compreendê-lo como tempo ecológico.
O tempo ecológico é o tempo das pessoas que ali habitam desde sempre. Logo, os missionários destinados a viver o Evangelho nessa região, deveriam chegar disponíveis a viver a entrega total de suas vidas, mesmo assim não seria suficiente para afirmar que já conhecem inteiramente o caminho a ser seguido.
Para a vivência do Evangelho nesse bioma, é fundamental o dom da paciência para conhecer os rios, a fauna, a flora, a vida dos distintos povos, a história, mitos, lendas, a religiosidade, os credos das distintas religiões presentes, etc. Ou seja, deixar-se ser catequisado pela própria natureza, mestra e guia.
Enfim, o convite para a Igreja na Amazônia é que a mesma tenha sua própria vivência nesta terra, deixando-se renovar pela realidade, sendo mais criativa e ousada. Conforme pediu o Sínodo especial para a Amazônia, é preciso deixar-se guiar pelo conhecimento da realidade e dos povos originários e ir construindo novos caminhos para a vivência do Evangelho nesse território.
O nosso exemplo é Maria que soube ouvir a voz de Deus e se deixou guiar por ela, participando assim do seu projeto salvífico para com toda a humanidade. Com a Igreja, não pode ser diferente. Nela, sinal e sacramento da Salvação, Deus continua a se comunicar. Portanto, façamos da Amazônia a própria voz de Deus, deixando-nos guiar por ela para uma conversão integral. Assim será possível, uma Igreja com o pensamento, atitudes e o rosto amazônico.
* Pe. Izaias Melo Nascimento, IMC, missionário na Amazônia.