
A primeira coisa que nós mamíferos fazemos ao nascer, é tomar uma grande lufada de ar e repetir o perfeito processo respiratório até o momento em que a vida termina.
Por Andrés Felipe Ocampo Arias*
A dispneia, termo semiológico, usado pela ciência médica para descrever a dificuldade em respirar, é definida como o ato consciente de respirar, isto se deve a que o processo respiratório, da mesma forma que muitas das coisas mais importantes da vida, é silencioso e dado como certo. No momento em que se instala uma dispneia, tomamos consciência do processo respiratório, que passa de ser um evento pouco notado, mas fundamental, uma verdadeira via-crucis.
Dispneia em Colômbia
A Colômbia atravessa sua crise mais dramática até o momento, enfrentar, com todas as debilidades que temos como nação e como sociedade, um vírus novo, com uma taxa de contágio bastante alta. As histórias que passam nas emergências dos hospitais, no qual trabalho como médico, abrangem uma dezena de desfechos, que vão dos momentos alegres, pela recuperação de um paciente ou agradecimento de seus familiares, a momentos de partir o coração, que, como profissional, pesarão sobre os meus ombros pelo resto da minha vida.
O inverossímil da situação é que por momentos, parece que, apenas o pessoal da saúde é consciente da gravidade daquilo que está acontecendo. Isso talvez seja pelas mensagens minimizadas em sua gravidade, enviadas para a população pelas autoridades sanitárias. Com isto não quero passar uma mensagem sem esperança, nem muito menos incitar o pânico nas pessoas, mas a ausência de auto- controle, de alguns, ao não respeitar as medidas de distanciamento, violar a quarentena ou o mal uso das máscaras, me faz pensar que muitos não estão levando a sério o assunto.

Um exemplo representativo
José entendeu, em 1970, que seu chamado era cuidar dos outros. Decidiu tornar-se médico e dedicou 40 anos da sua vida adulta ao exercício médico. Testemunhou a modernização do serviço médico, o nascimento da medicina baseada na evidência, aquela que agora determina o fazer médico, fundamentado em grandes estudos que demonstram estatisticamente os benefícios de diferentes terapias, o avance da terapia antibiótica, as mudanças de muitos paradigmas de pensamento e tratamento, da mesma forma que a pauperização ( trabalhista e social) do anteriormente estimado trabalho médico.
Casado durante 45 anos, matrimônio que deu como frutos milhões de histórias e 4 filhos. Três deles decidiram seguir seus passos e tornar-se médicos. Depois de sair do exercício médico, dedicou-se a sua família e a si mesmo. Percorria, aproximadamente, 15 quilômetros diários de bicicleta, e tinha um estilo de vida, que poderíamos garantir, era saudável.
Sua família tinha grande aprecio por ele, tanto quanto para garantir que não lhe faltaria nada durante esta difícil quarentena, pela qual passamos. Portanto, não deixava o seu lar e tinha deixado até de andar de bicicleta. Num dia qualquer, um dos seus filhos, que não era médico, decidiu visitá-lo, apesar das restrições de mobilidade vigentes. Uma semana depois, seus quatro filhos estavam reunidos, observando como, tanto seu pai como sua mãe, eram levados ao serviço de emergência, suspeitos, graças a sua sintomatologia, de contrair a corona vírus. Suspeita que seria confirmado três dias depois de darem entrada no hospital.
Os filhos médios, estavam por dentro das implicações desta doença, e por isso mesmo, dessa a entrada deles, solicitaram que fossem feitos todos os procedimentos que consideravam pertinentes. E ali estava José, esposo, pai, irmão e professor para muitos colegas, sozinho, em uma área restringida, suando muito e sem poder pronunciar mais de quatro palavras, por falta de ar, batalhando, justo como no momento que nasceu, para tomar cada lufada de ar. Logo teve que sedado profundamente e conectado a um respirador. Tudo para, depois de duas semanas de lutas contra a doença, armado com nada mais que sua energia vital, os esforços médicos e as orações de sua família, terminar perdendo a batalha.
Semelhante outro caso que um colega partilhou comigo, o de um senhor idoso, médico de profissão, que ao ser informado da necessidade de conectá-lo com um respirador, olhou os resultados de seus próprios exames e se dirigiu a um amigo dizendo: “ traga minha esposa para eu me despedir dela”. Efetivamente, foi a última vez que ele a viu.

Pensar o outro como a ti mesmo
Histórias como estas se repetem diariamente, a cada hora, em centos de centros de assistência, por todo o território nacional. Quando um nome e uma cara são colocados em cada cifra, o peso desse número na estatística ganha uma dimensão inimaginável para sua família e para nós, os profissionais da saúde.
Pouco se sabe sobre essa doença, se compararmos com as outras, ainda que diariamente sejam publicadas novas informações; mas o que seguramente sabemos é da importância de cumprir as medidas recomendadas para prevenir o contágio. Ainda bem que a maioria dos pacientes se recuperam exitosamente em casa, mas para que a história de José não se repita entre nós, os mais idosos, é fundamental que o cuidado, na hora de cumprir as medidas, se faça pensando no outro, como uma pessoa tão importante como você mesmo.
As novas dinâmicas sociais que nos fizeram passar mais tempo em casa com nossas famílias e apreciar mais muitas das atividades que previamente dávamos por certas, de ir ao cinema ou comer, até respirar sem dificuldade no caso dos infectados. Estes são momentos nos quais devemos colocar o autocuidado pensado nos demais por cima de tudo, porque, para combater um vírus que nos tirou até o direito de respirar, é necessário uma sociedade unida ao redor do cuidado e da busca do bem estar dos outros, para que a nossos congêneres não lhes falte a comida, o abrigo e, com o cuidado adequada, também não lhes falte o ar.
* Andrés Felipe Ocampo Arias é um jovem médico da Universidade de la Sabana – Bogotá