O Papa: o fracasso abre-se à esperança de uma nova vida

Missa presidida pelo Papa no Santuário Nacional de Santa Ana de Beaupré. Fotos: Vatican Mídia

Na homilia da missa, Francisco ressaltou que “também nós, perante o escândalo do mal e o Corpo de Cristo ferido na carne dos nossos irmãos indígenas, caímos na amargura e sentimos o peso do fracasso”.

Por Mariangela Jaguraba

O Papa Francisco celebrou a missa pela reconciliação, nesta quinta-feira (28/07), no Santuário Nacional de Santa Ana de Beaupré, situado a 30 km de Québec, local mais antigo de peregrinação da América do Norte.

Francisco iniciou sua homilia, dizendo que “a viagem dos discípulos de Emaús é uma imagem do nosso caminho pessoal e da Igreja”.  Segundo o Papa, “na estrada da vida, e vida de fé, ao levarmos adiante os sonhos, os projetos, os anseios e as esperanças que habitam no nosso coração, embatemos também nas nossas fragilidades e fraquezas, experimentamos derrotas e decepções e, às vezes, ficamos prisioneiros da sensação de fracasso que nos paralisa”. Mas, “mesmo em tais momentos”, o Evangelho nos anuncia que “não estamos sozinhos: o Senhor vem ao nosso encontro”, caminha ao nosso lado. De acordo com Francisco, “quando o fracasso deixa espaço ao encontro com o Senhor, a vida reabre-se à esperança e podemos reconciliar-nos conosco, com os irmãos e com Deus”.

Sensação de fracasso

O Papa intitulou este caminho “do fracasso à esperança“. Existe “a sensação de fracasso, que habita o coração destes dois discípulos depois da morte de Jesus. Tinham abraçado um sonho com entusiasmo. Em Jesus, tinham depositado todas as suas esperanças e desejos. Agora, depois da escandalosa morte na cruz, viram as costas a Jerusalém para voltar para casa, à vida anterior. Voltam para casa abatidos. As esperanças em que acreditavam desfizeram-se em pedaços, os sonhos que queriam realizar cedem o lugar à desilusão e à amargura”.

Segundo Francisco, “trata-se duma experiência que tem a ver também com a nossa vida e o próprio caminho espiritual, em todas as ocasiões em que somos obrigados a redimensionar os nossos anseios e a lidar com as ambiguidades da realidade, com as obscuridades da vida, com as nossas fraquezas. Nas atividades que realizamos ou nas nossas relações, experimentamos alguma derrota, algum erro, um fracasso ou uma queda, vendo desabar aquilo em que tínhamos acreditado ou nos tínhamos empenhado e sentindo-nos ao mesmo tempo esmagados pelo nosso pecado e os sentimentos de culpa. Vemos isso nos discípulos de Emaús, cuja contrariedade por terem visto desabar o projeto de Jesus deixa espaço apenas a uma estéril discussão”.

Não há nada pior do que fugir dos fracassos

E o mesmo pode verificar-se também na vida da Igreja, a comunidade dos discípulos do Senhor representados naqueles dois de Emaús. Apesar de ser a comunidade do Ressuscitado, pode encontrar-se a vagar perdida e desiludida perante o escândalo do mal e a violência do Calvário. Então nada mais consegue fazer senão apertar nas mãos a sensação de fracasso e interrogar-se: Que aconteceu? Porque é que aconteceu? Como pôde acontecer?

Papa Francisco durante a homilia.

“Irmãos e irmãs, são as perguntas que cada um põe a si mesmo; e são também os interrogativos ardentes que esta Igreja peregrina no Canadá faz ressoar no seu coração num árduo caminho de cura e reconciliação. Também nós, perante o escândalo do mal e o Corpo de Cristo ferido na carne dos nossos irmãos indígenas, caímos na amargura e sentimos o peso do fracasso.”

“Porque é que aconteceu tudo isto? Como pôde isto acontecer na comunidade daqueles que seguem Jesus?”, perguntou o Papa, chamando a atenção para “a tentação da fuga, presente nos dois discípulos do Evangelho: percorrer em sentido inverso o caminho, fugir do lugar onde sucederam os fatos, tentar removê-los, procurar um «lugar tranquilo» como Emaús para não pensar mais no caso. Não há nada pior, perante os fracassos da vida, do que fugir para não os enfrentar. É uma tentação do inimigo, que ameaça o nosso caminho espiritual e o caminho da Igreja: ele quer fazer-nos acreditar que aquele fracasso já seja definitivo, quer paralisar-nos na amargura e na tristeza, convencer-nos de que não há mais nada a fazer e, consequentemente, não vale a pena encontrar uma estrada para recomeçar”.

Uma nova visão das coisas

O Papa ressalta na homilia, que “o Evangelho, ao contrário, nos revela que nas situações de decepção e tristeza, precisamente quando, atônitos, experimentamos a violência do mal e a vergonha da culpa, quando o rio da nossa vida seca no pecado e no fracasso, quando, despojados de tudo, nos parece não ter mais nada, então é que o Senhor vem ao nosso encontro e caminha conosco”. Ele abre os olhos dos discípulos de Emaús “para uma nova visão das coisas”.

Interior da Basílica de Santa Ana de Beaupré.

Também nós, que partilhamos a Eucaristia nesta Basílica, podemos reler muitos acontecimentos da história. Neste mesmo terreno, já houve anteriormente três templos; e houveram aqueles que não fugiram diante das dificuldades, voltaram a sonhar apesar dos erros próprios e alheios; não se deixaram vencer pelo incêndio devastador cem anos atrás e edificaram, com coragem e criatividade, este templo. E quantos partilham aqui a Eucaristia, vindos das vizinhas Planuras de Abraão, podem também aperceber-se do ânimo daqueles que não se deixaram cair reféns do ódio, da guerra, da destruição e do sofrimento, mas souberam voltar a planejar uma cidade e um país.

O papel da mulher no plano de salvação

“Diante dos discípulos de Emaús, Jesus parte o pão, reabrindo os seus olhos e mostrando-Se mais uma vez como o Deus do amor que oferece a vida pelos seus amigos. Deste modo, os ajuda a retomar o caminho com alegria, recomeçar, passar do fracasso à esperança. Irmãos e irmãs, o Senhor quer fazer o mesmo com cada um de nós e com a sua Igreja. E como podem ser reabertos os nossos olhos, como pode ainda o coração inflamar-se em nós pelo Evangelho? Que havemos de fazer enquanto nos vemos atribulados por várias provações espirituais e materiais, enquanto procuramos a estrada para uma sociedade mais justa e fraterna, enquanto desejamos nos recuperar das nossas decepções e fadigas, enquanto esperamos sarar das feridas do passado e reconciliar-nos com Deus e entre nós?”

Segundo o Papa, “há uma estrada, um único caminho: é o caminho de Jesus, é o caminho que é Jesus. Nesta Basílica, onde recordamos a mãe da Virgem Maria, e onde se encontra também a cripta dedicada à Imaculada Conceição, não podemos senão pôr em evidência o papel que Deus quis dar à mulher no seu plano de salvação”.

“Santa Ana, a Santíssima Virgem Maria, as mulheres da manhã de Páscoa apontam-nos um novo caminho de reconciliação: a ternura materna de tantas mulheres pode acompanhar-nos – como Igreja – rumo a tempos novamente fecundos, deixando para trás tanta esterilidade e tanta morte, e no centro colocar de novo Jesus, o Crucificado Ressuscitado.”

O Papa concluiu, dizendo que “o fracasso abre-se à esperança de uma nova vida” e que “no coração de cada coisa”, coloquemos a Palavra de Jesus, “que ilumina os acontecimentos e reabre-nos os olhos para ver a presença operante do amor de Deus e a possibilidade de bem mesmo em situações aparentemente perdidas; coloquemos o Pão da Eucaristia, que Jesus ainda hoje parte para nós, para partilhar a sua vida com a nossa, abraçar as nossas fragilidades, sustentar os nossos passos cansados e conceder-nos a cura do coração. E, reconciliados com Deus, com os outros e conosco, podemos também nós nos tornar instrumentos de reconciliação e de paz na sociedade em que vivemos”. 

Após a bênção final, Francisco foi de cadeira de rodas em direção à capela que acolhe a imagem milagrosa de Santa Ana, esculpida num pedaço único de madeira de carvalho, que retrata Ana segurando sua filha Maria, adornada com uma coroa dourada cravejada de diamantes, rubis e pérolas. Ao final da celebração, foi cantado o hino da Jornada Mundial da Juventude de Toronto – Lumière du monde – realizada 20 anos atrás.

Fonte: Vatican News

Conteúdo Relacionado