Negra realidade

Missionários da Consolata trabalham com a Pastoral Afro em Engenheiro Pedreira, diocese de Nova Iguaçu, RJ.

Por Jacques Kwangala Mboma*

A pergunta que se faz com frequência para a nossa equipe pastoral é: O que é realmente a Pastoral Afro? As respostas divergem sobre as opiniões de muitas pessoas que já vem com as ideias pré-concebidas sobre a questão. Algumas acham que está errado em falar do negro, restringindo este conceito numa categoria social homogênea. Alguns grupos ainda pensam que seja melhor não falar apenas da Pastoral Afro, mas também da pastoral do branco. A dificuldade não está tanto no seu aspecto conceitual, mas na negação da própria identidade negra no Brasil.

A realidade do negro foi subjugada ao mundo eurocêntrico, isso faz com que nós ignoremos a existência social do negro na integridade da sociedade brasileira. É comum ouvir alguém chamar de negro “meu preto”, “pretinho”, “moreno” e “moreninho” ou “escurinho”, mas menos passa a ideia de chamar por alguém de negro, se pensa que é ofensivo. Infelizmente, o conceito de negro foi forjado e associado ao termo “homem-mercadoria”, trabalho de Achille Mbembe abordado na sua obra “Crítica da Razão Negra”. O negro tornou-se o sujeito de produção ao capitalismo moderno. Por consequência, a história da colonização e da escravidão acabou de naturalizar a imagem do negro como raça inferior e reduzindo seu existir no mundo a uma categoria subalterna. Por este motivo, acontece que alguns negros não querem se identificar como negros. O processo de aceitação da identidade negra no Brasil é doloroso, às vezes custa até derramar o sangue. Esse processo tem a ver com as representações e as referências da África, mal contadas na lógica da dominação. Filósofos como Hegel, vão excluir a África subsaariana da totalidade na história universal. Este continente não seria um objeto de estudos porque não tem história. Acontece que a aceitação do negro na sociedade brasileira é ainda uma questão de preconceito. Apesar de que as políticas de promoção de Igualdade Racial deram um impulso positivo nesse campo, ainda falta muito a enfrentar nessa batalha.

Discriminação

Algumas empresas ainda exigem o critério da boa aparência para conseguir a vaga de emprego. Nas igrejas ainda está longe de se abrir uma discussão sobre o tema. O espaço propício até agora para discutir essa temática são as universidades, ONGs e outros movimentos sociais. O que nos preocupa em relação à Pastoral Afro, não é tanto o questionamento das pessoas que fazem sobre o modo de celebrar a missa afro ou o modo de ser da pastoral, mas é o silêncio de muitos cristãos que não demonstram nenhum interesse sobre o maior problema que atinge a maioria da população jovem brasileira, isto é, o genocídio e o extermínio dos jovens negros na sociedade.

A Pastoral Afro é o olhar do cuidado para com os afros descendentes que buscam na vivência da sua fé a verdadeira identidade. Ela tem como missão anunciar a palavra de Deus para os mais excluídos e discriminados da sociedade, defender e promover a vida através da construção de uma sociedade justa, igualitária e plural. Ela luta por Políticas Públicas que respeite e valorize a diversidade étnica racial, anima as comunidades para reconhecer a sua própria história, proporcionando espaços de trocas de experiências e reflexão pastoral a partir das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (Doc. CNBB 109). Por este motivo, ela é uma pastoral de resistência contra o racismo, o preconceito e a discriminação. O seu primeiro objetivo se constitui a partir das urgências e dos gritos dos pobres e marginalizados. Ela é a certeza que Deus ouve o clamor de seu povo (Ex.3, 7).

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão formalmente com a assinatura da lei áurea em 13 de maio de 1888. Porém é do conhecimento e aceitação geral que com esta assinatura apenas se deu fim a uma escravidão legitimada economicamente e teologicamente e deu-se início a outras formas igualmente perversas de escravidão que perduram até hoje. Não foram elaboradas políticas que favorecessem o ressarcimento e reparação dos danos causados ao povo negro. Dados demográficos colocam o Brasil como o segundo país mais negro do mundo, Negros representam 54% da população do país (cf. www. economia.uol.com.br/…/negros-representam-54-da-populacao-do-pais), sendo superado apenas pela Nigéria formada pela sua população de maioria negra.

No Brasil, o direito à vida não é exercido da mesma forma por todas as pessoas, e os negros (somatória da população preta e parda, conforme classificação do IBGE) têm convivido com a violação sistemática desse direito. Isto ocorre em razão do racismo, que estrutura a sociedade brasileira e impede não somente que todos e todas tenham as mesmas condições de vida, mas principalmente, que tenham o mesmo tempo de vida. A população negra é discriminada no mercado de trabalho, no acesso à educação, à saúde etc. A Igreja da América Latina e Caribe, analisando-se a partir dos novos ventos que sopravam pelas janelas abertas pelo Concílio Vaticano II, começa a se questionar em relação a sua responsabilidade e missão diante da questão e da situação dos afros americanos que compõem uma expressiva porção da população desta Pátria Grande chamada América Latina e Caribe.

Consolata

O Instituto Missões Consolata se insere neste contexto de abertura e preocupação com a situação dos afros brasileiros em Engenheiro Pedreira, na Diocese de Nova Iguaçu, RJ, proporcionando para eles uma formação adequada na área humana, social e espiritual. Os pontos mais fortes da nossa caminhada da Pastoral são as celebrações litúrgicas, participação em eventos sociais, peregrinação Nacional das pastorais afros no Santuário de Nossa Senhora Aparecida. A equipe trabalha em parceria com outros organismos não governamentais para acompanhamento das famílias negras. Temos o caso do Fórum Grita Baixada de Nova Iguaçu e Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu que prestam serviço nas nossas comunidades negras e periféricas. As atividades como de capoeiras, aula de violão são de suma importância para a valorização da identidade negra dentro ou fora da comunidade. Vamos juntar as forças para construirmos junto um mundo melhor onde não haverá mais discriminação, mas a igualdade, paz e justiça.

*Jacques Kwangala Mboma, imc, é missionário em Engenheiro Pedreira, RJ.

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