Leonidas Proaño: profeta da América Latina

7 de julho de 2020
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Leonidas Proaño

Candidato ao Prêmio Nobel de Paz e ativista dos direitos humanos, bispo dos índios, bispo dos pobres, pastor, profeta e padre da América Latina, precursor da nova evangelização, Leonidas Proaño serviu aos indígenas e aos pobres da diocese de Riobamba e de todo o Equador durante quatro décadas (1954-1985).

Por Maurice Awiti *

Membro permanente do movimento da teologia da libertação na América Latina e um dos equatorianos mais influentes do século XX, Leonidas Eduardo Proaño Villalba nasceu em San Antonio Ibarra no dia 29 de janeiro de 1910.

Infância e juventude

Seus pais foram Agustín Proaño Recalde e Zoilia Villalba Ponce, pessoas pobres, e ao mesmo tempo dotados de profundas raízes católicas. A fé e pobreza deles acompanharam o jovem Proaño até o sacerdócio, convertendo-se em importantes ações e convicções. A partir da sua opção preferencial pelos pobres, explorados, marginalizados, oprimidos, abandonados, com sua homilia sincera, voz distinta, o dom do ensino e atração universal, Proaño se tornou porta-voz dos seus requerimentos diante da justiça. “Eduardito”, como era chamado pela família, sonhando ser pintor foi a uma escola primária no seu povoado.

Depois foi fazer a educação secundária no Seminário Diocesano Menor de Ibarra (outubro de 1923), em seguida foi para o Seminário Maior de Quito. Durante sua escola secundária teve a ambição de ser um grande escritor, mas sua literatura foi pela filosofia. Seu currículo começou com estudos filosóficos, escolásticos e terminou com a teologia. A estrutura do Seminário continua sendo quase igual, nela a escolástica se fundiu com os estudos teológicos.

De acordo com o renomado historiador equatoriano Enrique Ayala, durante o período formativo, enfatizou a apologia, devido a que os sacerdotes da Igreja em geral queriam defender-se do “modernismo”, que fora energeticamente condenado pelos papas naquele momento. Isto incluía o liberalismo, que teve de ser destronado para estabelecer “o Reino de Cristo”, e o protestantismo que começava a fazer campanhas agressivas de “evangelização”, desafiando o predomínio católico absoluto.

Padrecito Leonidas

Foi ordenado sacerdote pelas mãos de Dom Carlos de la Torre, no dia 4 de julho de 1936, quando tinha 26 anos. Proaño foi iniciado no ministério sacerdotal com um forte sentido anti-liberal que mais tarde lhe deu a honra de ser designado pelo Papa como o primeiro cardeal equatoriano.

Proaño foi sacerdote, um homem de fé, no entanto, teve uma vida pública bastante ativa. No seu livro “Conscientização, evangelização e política” (1992), deixa claro que a luta pelos pobres necessariamente desemboca na esfera pública ou no campo político. Lutar pelos pobres é conscientizar a sociedade e a Igreja para que estes possam perceber suas realidades e valorizar sua palavra.  Outros passos importantes têm a ver com a evangelização relacionado com o “aqui e agora” para dar esperança.

Proaño começou seu trabalho pastoral na sua terra natal Imbabura (Diocese de Imbabura). Curiosamente, não foi considerado pelos outros sacerdotes como um sacerdote dotado, devido a não ter estudado em Roma, como muito deles. Sequer foi considerado candidato à ordem episcopal. Surpreendentemente, sua primeira missão não foi para uma paróquia rural, como tradicionalmente era para os sacerdotes recém-ordenados; trabalhou na cidade de Ibarra como professor no Seminário Menor. 

Outras atividades tiveram relação com a organização dos trabalhadores da “Ação Católica”. Ao menos tempo, atuou como sub-diretor e assessor da Juventude Operária Católica (JOC). Proaño conseguiu organizar um grupo juvenil ativo e dedicou a maior parte das suas energias em conferências, reuniões e trabalho em grupo. O método da Ação Católica (ver, julgar e agir) foi concretizado a partir desta intensa experiência. Os jovens se formaram em ações relacionadas com a revalorização do papel dos trabalhadores e protagonistas sociais, identificados com a luta política atual.

A Igreja Católica sempre enxergou o avanço da ideologia de esquerda como uma ameaça, particularmente do socialismo entre os setores operários. Portanto, a estratégia era consolidar uma organização que lhe permitisse assumir a influência nos grupos juvenis, especialmente nos artesãos e nos trabalhadores autônomos.

O jovem Proaño promoveu a leitura na cidade de Ibarra e no estado. Por essa razão, criou a livraria “Cardijn”, que tinha o nome do cardeal Joseph Cardijn, fundador da Juventude Católica Belga. Paralelamente, fundou um jornal, que anos depois se transformou no primeiro jornal da cidade. LA VERDAD foi publicado pela primeira vez no dia 14 de maio de 1944 e Proaño foi o seu primeiro editor. Isto tornou-se o principal instrumento que utilizava diariamente para influenciar e dar forma à opinião pública do estado. Uma das suas importantes publicações, “Rupito” foi publicada em partes, dia a dia. Desta maneira Proaño se transformou em um membro prestigioso do clero diocesano e com uma ênfase especial em temas sociais, algo que podemos apreciar em outros livros seu: El trabajo y Ley universal. 

Taita Bispo

Proaño foi nomeado o Sétimo bispo de Bolívar em março de 1954. A diocese incluía dois estados, Bolívar e Chimborazo, estas últimas de dividiram nas de Bolívar e Riobamba em 1958, e assim Proaño se tornou o primeiro bispo de Riobamba.

Entre 1954 e 1985 protagonizou sua tarefa pastoral com visitas pastorais, escutando e dialogando com as pessoas de Chimborazo e Equador, especialmente com os indígenas. A classe dominante, que era minoria, manipulava egoisticamente a sociedade de Chimborazo e, em colaboração com alguns setores da Igreja, institucionalizou as injustiças, a exploração e a miséria. 

Era chamado pelos indígenas de padre bispo “Taita Obispo” porque aprendeu com sua sensibilidade a se aproximar, caminhar e aprender com eles, compartilhando sua palavra de esperança e pão, a angústia e a esperança de uma realidade que eliminaria a injustiça profundamente arraigada, a exploração permanente e a miséria.

Na diocese houve conflitos no clero por causa das ações do bispo. Alguns fiéis também tomaram posições contrárias a ele. Entretanto, Proaño soube manter o equilíbrio nos momentos de conflitos e lutas pelo poder, e se manteve firme no plantio da semente para uma sociedade melhor.

Frente aos problemas encontrados em Chimborazo, entre eles a binaridade – branco- mestiço, branco-indígena, Proaño conseguiu fazer um projeto de Igreja dos pobres, com uma participação maior dos leigos, horizontalidade e inclusão dos indígenas.  A nova estrutura e ação diocesana, elaborada com a participação das Equipes Pastorais compostas por sacerdotes, religiosos, campesinos, indígenas e mestiços, converteu a Igreja de Riobamba em um laboratório pastoral para a América Latina.

Reconhecimento do seu legado

Proaño morreu em agosto de 1988, mas seu legado continua vivo e atual. Sua trajetória pastoral e social mostra um processo de conversão permanente que basicamente foi uma abertura para a mudança. Sua capacidade de tomar decisões transcendentais, baseadas em convicções, coerência, criatividade e valentia fazem dele uma pessoa exemplar. A exemplaridade em Proaño foi seu estilo de vida como ser humano, cristão e bispo.

Leonidas Proaño tocou a vida de milhões de pessoas no Equador e fora deste país. A vida ativa e polêmica de Proaño lhe rendeu inimigos e amigos ao mesmo tempo. Apesar disto, com o passar do tempo, seu legado no Equador fez dele uma expressão da identidade equatoriana. Dia 14 de agosto de 2008 a assembleia constituinte o proclamou bispo dos índios e dos pobres, Dom Leonidas Proaño Villalba, como personagem símbolo nacional e exemplo permanente para todas as gerações, por sua luta contra a opressão,  exclusão e marginalidade no Equador e pela total entrega a um trabalho em busca da liberdade, justiça e solidariedade como condições para a paz. 

O pensamento e a obra de Monsenhor Proaño foram declarados pelo Ministério da Cultura como bem pertencente ao patrimônio cultural imaterial do Estado equatoriano no dia 29 de agosto de 2008. Esta declaração foi um reconhecimento do legado cultural que Proaño deixou para todas as gerações do país e do mundo, ao haver adotado como forma pessoal de vida uma decidida e permanente ação a favor da reivindicação histórica dos direitos dos povos indígenas.

* Mauricio Awiti, imc, é missionário em Guano, Equador.

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