Justiça, Paz e Integridade da Criação na Igreja Católica

27 de junho de 2020
Foto: JPIC Equador

História, carisma, preconceitos e desafios da JPIC, que por meio do Papa Francisco e com a encíclica Laudato Si’, dá a todos os cristãos uma tarefa para apostar no cuidado da criação de forma integral, ou seja, salvaguardar o social, o político, o cultural, o ambiental, o econômico a partir do ângulo da defesa da vida, já que tudo está ligado, e do holístico, porque tudo está interconectado.

Por Manuel Vargas *

Tendo como referência o documento chamado Orientações para a Animação de Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC 2009) da Ordem dos Franciscanos Menores (OFM), no qual se afirma que os valores da JPIC tem fundamento bíblico, vemos que no Antigo Testamento, os profetas anunciavam a mensagem de Yhaweh, denunciavam e consolavam o Povo de Deus diante das injustiças padecidas. No Novo Testamento, os valores JPIC tem seus fundamentos em Jesus e seu anúncio do Reino.  (Rm 14, 17)

No Magistério da Igreja, a JPIC tem seus fundamentos na encíclica social do Papa Leão XIII denominada Rerum Novarum, promulgada no dia 15 de maio de 1891. Depois, o Concílio Vaticano II, de maneira especial na constituição pastoral Gaudium et Spes expressa que a missão da Igreja está conectada com as dimensões políticas, sociais e econômicas da sociedade (GS 1). Depois do Concílio Vaticano II, sínodos, encíclicas sociais, documentos episcopais, foram desenvolvidos com uma preocupação especial pelo progresso integral dos povos. 

O papa Paulo VI instituiu em janeiro de 1967 a comissão pontifícia “Justiça e Paz”,  como desejava a GS 90: sua missão é “… manter os olhos da Igreja abertos, o coração sensível e a mão pronta para a obra de caridade que ela está chamada a realizar com o mundo, com o objetivo de promover o progresso dos povos mais pobres e favorecer a justiça social entre as nações”. Atualmente a Comissão Pontifícia de Justiça e Paz tem uma nova denoninação desde o ano de 2016: o dicastério para o Serviço da Promoção Humana Integral.

Forum Social Mundial 2018 – Foto: Júlio Caldeira imc
Carisma

A espiritualidade da JPIC faz parte dos diversos e diferentes carismas das comunidades religiosas, é por isto que várias delas tem escritórios de JPIC constituídos dentro da sua estrutura geral. Da mesma forma as dioceses também têm departamentos de Pastoral Social ou Caritas preocupadas com as necessidades do Povo de Deus designado aos seus cuidados.

Os fundadores das comunidades religiosas em sua espiritualidade carismática levaram em conta de forma direta ou indireta os valores da JPIC, por exemplo, São Francisco de Assis esteve profundamente preocupado com os pobres e o cuidado da criação.

Atualmente uma voz que soou fortemente ao falar da importância da JPIC na vida religiosa ou eclesial é aquela do então Ministro Geral dos Franciscanos (OFM), frei José Rodríguez Carballo que durante o Congresso Europeu de Animadores JPIC de Polônia no dia 29 de abril de 2010 afirmou que “os valores de justiça, paz e integridade da criação… formam parte daquilo que  poderíamos chamar nosso DNA”[1].

De sua parte, os Franciscanos Capuchinhos (OFMCap), consideram que  a “JPIC  é um  recordatório da voz daqueles que não são escutados e de que queremos velar pelos que sofrem injustiças, trabalhar pela paz como filhos de Deus, cuidar do nosso mundo e de nossos irmãos explorados injustamente devidos aos poderes econômicos”[2].

Preconceitos

A igreja tem como fundamento o ensinamento de Jesus Cristo, isto implica seguir seu ensino baseado no amor a Deus e ao próximo como a si mesmos, isto significa que todo cristão deve se preocupar pelas necessidades espirituais e materiais do seu próximo (Mt 22,37-39; Lc 4,18), por isso, ao longo da história, muitos cristãos se preocuparam com o bem comum, por assegurar as necessidade básicas do ser humano, a defesa dos direitos humanos e o cuidado da criação.

Desafortunadamente estamos em um mundo polarizado no qual os grupos são classificados como direita ou esquerda, como explica a teóloga Ivone Gebara recorrendo à história: “a oposição direita e esquerda que de maneira imediata nos aparece, tem uma história datada na Revolução Francesa (1789) e depois, no império de Napoleão Bonaparte, quando os membros da Assembleia Nacional da França se dividiam entre os partidários do rei e da religião à direita e os simpatizantes das ideias da revolução à esquerda”[3].  

Em nossos dias, essas posturas sociopolíticas podem ser descritas como bloque comunista, ou, esquerda (progressistas) e  bloque capitalista, ou direita (conservadorismo). Desafortunadamente quando uma pessoa ou um cristão partindo do ensino de Jesus Cristo se empenha em velar pelos direitos fundamentais dos excluídos e da criação, é taxado de pessoa romântica ou de esquerda (revolucionário). É certo que com o nascimento da Teologia da Libertação, alguns cristãos interpretaram mal ou se desviaram do plano salvífico de Jesus Cristo, tomando armas para pertencer às guerrilhas comunistas ou socialistas latino-americanas, com o suposto fim de acabar com as injustiças do povo por meio da violência.

Afortunadamente a maioria dos cristãos não buscaram as armas ou a violência para “transformar o mundo”, mas construíram a “civilização do amor” por meio da não violência como, por exemplo, São Óscar Arnulfo Romero, mais conhecido como São Romero de América, que sem empregar nenhum tipo de violência protegeu os salvadorenhos mais oprimidos diante da ditadura daquele tempo. Outros personagens que defenderam os direitos dos marginalizados sem recorrer a nenhuma corrente sociopolítica foram: Dom Gerardo Valencia Cano, defensor dos negros; Dom Leonidas Proaño e Dom Alejandro Labaka, defensores dos indígenas no Equador, Dom Hélder Câmara defensor dos oprimidos durante a ditadura brasileira, entre outros.

Portanto, os cristãos que defendem os valores da justiça, paz, e o cuidado da criação, são pessoas pacíficas, centradas no projeto de Jesus Cristo, com solidez contemplativa e  espiritual, ativas, com pensamento crítico, propositivas, com enorme sentido de empatia, capazes de se entusiasmar com a construção cotidiana de um “novo céu e uma nova terra”.

Foto: JPIC – OFM
Desafios

Atualmente, a JPIC por meio do Papa Francisco e com a encíclica Laudato Si, dá a todos os cristãos uma tarefa para apostar no cuidado da criação de forma integral, ou seja, salvaguardar o social, o político, o cultural, o ambiental, o econômico a partir do ângulo da defesa da vida, já que tudo está ligado, e do holístico, porque tudo está interconectado. Os atores da JPIC não são meramente ambientalistas, nem da cultura verde, são pessoas amantes da vida, amantes do bom viver, amantes da inclusão, amantes da espiritualidade baseada no Deus da vida e gerador de vida, amantes da justiça social e ambiental, amantes do progresso sustentável e apaixonados por garantir condições de vida vitais para as próximas gerações, com as quais elas possam assegurar a sobrevivência e desfrutar de boa qualidade de vida.

Outro desafio é visibilizar o trabalho da JPIC nas diferentes pastorais, mesmo sendo certo que muitas delas estão imbuídas de seus valores; Acho que é necessário visibilizar a espiritualidade da JPIC fundando e fortalecendo as comissões de JPIC em cada província e custódia, em cada fraternidade, em cada paróquia e obra social.

Fortalecer a formação inicial e permanente para que os religiosos possam tomar consciência da importância de vivenciar os valores da justiça, paz e o cuidado da criação é outro desafio encontrado pela JPIC.

Outro desafio é reconhecer a importância da espiritualidade da JPIC nas dimensões da vida religiosa, por exemplo, a formação, a espiritualidade, a economia, a pastoral e a missão. Os valores da JPIC devem ser transversais na dinâmica de vivência e operatividade das diferentes dimensões do ser e fazer da vida religiosa e eclesial. Paz e bem!

* Frei Manuel Alfonso Vargas Reales, OFMCap., é missionário em Guiné Equatorial (África)


[1] www.frayhenrimorales.com/single-post/LA-JPIC-EL ADN-DE-NUESTRA-ESPIRITUALIDAD-FRANCISCANA

[2] capuchinos.org/jpic/   

[3] Ivone Gebara, Francisco, ¿un papa de izquierda?

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