
A Igreja celebra a festa dos dois grandes apóstolos, Pedro e Paulo. Como evangelho do dia, escolheu-se a história do caminho de Cesareia de Felipe. Para você quem é Jesus? Não interessam aqui as respostas aprendidas durante a catequese, mas as respostas mais profundas e íntimas.
Por Frei Carlos Mesters *
As opiniões do povo e dos discípulos sobre Jesus.
Jesus quer saber a opinião do povo sobre ele. As respostas são as mais variadas: João Batista, Elias, Jeremias, um dos profetas. Quando Jesus pede a opinião de seus discípulos, Pedro em nome de todos afirma: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” Esta resposta de Pedro não é nova. Anteriormente, após a caminhada sobre as águas, os outros discípulos já tinham feito semelhante profissão de fé “Verdadeiramente tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33). É o reconhecimento que em Jesus se realizam as profecias do Antigo Testamento. No Evangelho de João a mesma profissão de fé sai dos lábios de Marta: “Tu és o Cristo, Filho de Deus que veio ao mundo” (Jo 11, 27).
A resposta de Jesus a Pedro: Feliz és tu, Pedro!
Jesus proclama “feliz” Pedro, porque recebeu uma revelação do Pai. Também aqui a resposta de Jesus não é nova. Anteriormente Jesus tinha feito uma idêntica proclamação de felicidade aos discípulos porque viam e ouviam coisas que Deus, através de Jesus, revelava aos pequenos e não aos sábios (Mt 11,25). Pedro é um dos pequenos aos quais o Pai se revela. A percepção da presença de Deus em Jesus não “vem da carne nem do sangue”, ou seja, não é fruto de estudo nem é merecimento de um esforço humano, mas é um dom que Deus concede a quem quer.
As qualificações de Pedro
Ser pedra de fundamento e tomar posse das chaves do Reio.
Ser Pedra – Pedro deve ser pedra, isto é deve ser base sólida para a Igreja, ao ponto que ela possa resistir contra os assaltos das portas dos infernos. Com estas palavras de Jesus a Pedro, Mateus anima as comunidades que sofrem e são perseguidas na Síria e na Palestina, que viam em Pedro a liderança que as tinha distinguido na origem. Apesar de serem fracas e perseguidas, elas possuem um alicerce sólido, garantido pelas palavras de Jesus. Naquele tempo as comunidades cultivavam uma relação afetiva muito forte com os chefes que tinham dado origem à comunidade. Assim as comunidades da Síria e da Palestina mantinham sua ligação com a pessoa de Pedro. Aquelas da Grécia, com a pessoa de Paulo. Algumas comunidades da Ásia com a pessoa do Discípulo amado e outras com a pessoa de João do Apocalipse. Uma identificação com estes líderes de suas origens as ajudava melhor a cultivar melhor a própria identidade e espiritualidade. Mas podia também ser motivo de conflito, como no caso da comunidade de Corinto (1Cor 1,11-12).
Ser pedra como fundamento da fé lembra a palavra de Deus ao povo no exílio de Babilônia: “Escutai o que digo, vós que procurais a justiça, que buscais o Senhor, olhai bem para a rocha de onde fostes tirados, reparai o talho de onde fostes cortados. Observai Abraão, vosso pai, e também Sara que vos deu à luz! Ele estava só, quando o chamei, mas quando o abençoei, eu o multipliquei”. (Is 51,1-2). Aplicada a Pedro, esta realidade de pedra-fundamento indica um novo início do povo de Deus.
As chaves do Reino: Pedro recebe as chaves do Reio para ligar e desligar, isto é para reconciliar com eles e com Deus. O mesmo poder de ligar e desligar é dado às comunidades (Mt 18,8) e aos discípulos (Jo 20,23). Um dos pontos sobre os quais o Evangelho de Mateus mais insiste é a reconciliação e o perdão (Mt 5,7.23-24.38-42.44-48; 6,14-15; 18,15-35). O fato é que nos anos 80 e 90 na Síria havia muitas tensões nas comunidades e divisões nas famílias por causa da fé em Jesus. Alguns o aceitavam como Messias e outros não, e isto fava origem a muitos contrastes e conflitos. Mateus insiste na reconciliação. A reconciliação era e continua sendo uma das tarefas mais importantes dos coordenadores e das coordenadoras das comunidades. Imitando Pedro, devem ligar e desligar, isto é agir para que exista realmente a reconciliação, aceitação mútua, construção da vida fraterna.
A Igreja: a palavra da Igreja significa “assembleia convocada” ou “assembleia escolhida”. Ela aponta o povo que se reúne, convocado pela Palavra de Deus, e procura viver a mensagem do Reino que Jesus nos trouxe. A Igreja ou comunidade não é o Reino, mas um meio e um sinal do Reino. O Reino é maior. Na Igreja, na comunidade, deve ou deveria aparecer aos olhos de todos o que acontece quando um grupo humano deixa Deus reinar e tomar posse de sua vida.
Jesus completa o que falta à resposta de Pedro, e este reage e não aceita.
Pedro tinha confessado: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” Conforme a ideologia dominante do tempo, ele imaginava um Messias glorioso. Jesus o corrige: “É necessário que o Messias sofra e seja morto em Jerusalém”. Afirmando “é necessário”, ele deixa claro que o sofrimento já estava previsto nas profecias (Is 53, 2-8). Se os discípulos aceitam Jesus como Messias e Filho de Deus, devem aceitá-lo também como Messias Servo que aceita morrer. Não só o triunfo da glória, mas também o caminho da cruz! Mas Pedro não aceita a correção de Jesus e tenta dissuadi-lo.
A resposta de Jesus a Pedro, uma pedra de tropeço.
A resposta de Jesus é surpreendente: “Afasta-te de mim, satanás! Tu és pedra de tropeço, porque não pensas como Deus.
“Atrás de mim!” Quem aponta a direção e o ritmo não é Pedro, mas Jesus. O discípulo deve seguir o mestre. Deve viver em conversão permanente. A palavra de Jesus era também uma mensagem a todos aqueles que dirigiam as comunidades. Eles devem “seguir” Jesus e não podem se colocar diante como Pedro queria fazer. Não são eles ou elas que podem apontar a direção ou o estilo. Ao contrário, como Pedro, em lugar de pedra de apoio, podem se tornar pedra de tropeço. Assim eram alguns líderes das comunidades no tempo de Mateus. Havia algumas ambiguidades. Assim como pode acontecer entre nós hoje!
Para um confronto pessoal
1 – E para você quem é Jesus? Não interessam aqui as respostas aprendidas durante a catequese, mas as respostas mais profundas e íntimas.
2 – Pedro é “pedra” de duas maneiras: quais? Que tipo de pedra é a nossa comunidade? Qual a missão que resulta disso para nós?
* Frei Carlos Mesters, OCarm, é teólogo e biblista, um dos fundadores do CEBI que utiliza a Leitura Popular da Bíblia.