“Muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa mudar. Falta consciência de uma origem comum, de uma recíproca pertença e de um futuro compartilhando por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (Papa Francisco, Laudato Si, 202).
Por Juacy da Silva *
No capitulo VI da Encíclica Laudato Si, intitulado “Educação e espiritualidade ecológicas”, o Papa Francisco procura destacar o fato de que as atuais gerações constituídas por crianças, adolescentes e jovens dentro de uma, duas, três ou seja, dentro de algumas décadas serão os adultos e idosos de amanhã e que se a humanidade em termos amplos, ou as pessoas, cada pessoa individualmente ou coletivamente, continuarem a agir em total desrespeito ao meio ambiente, à natureza, degradando, destruindo e poluindo os solos, as águas, inclusive os oceanos e o ar, provocando e aumentando o aquecimento global e as terríveis mudanças climáticas, a vida no planeta terra estará cada vez mais mais ameaçada, todas as formas de vida, a biodiversidade e, por extensão a vida humana.
Este capitulo da Laudato Si são 30 páginas de muitos ensinamentos, muita reflexão e nos induz a um despertar da consciência ecológica e nossa responsabilidade como adultos em despertar nas crianças, adolescentes e jovens a urgente necessidade de uma mudança de paradigmas quando se trata do papel e da responsabilidade do ser humano neste planeta.
O modelo consumista, de descarte, de desperdício e a falta de consciência quanto às consequências de nossas ações representa um estilo de vida que ao longo de décadas, séculos vem destruindo a natureza, a biodiversidade e gerado um passivo ambiental/ecológico, impagável, diga-se de passagem, que recairá “sobre os ombros” e a vida dessas gerações a que nos referimos.
O mundo, o planeta terra tem um limite, além do qual, não suportará esta carga de desrespeito, degradação, desmatamento, poluição e morte; ou começamos a mudar esse modelo agora, substituindo os paradigmas que sustentam esta insanidade por um modelo de economia realmente humana (com alma, como diz o Papa Francisco), solidária tanto entre os seres humanos quanto em nossas relações com os demais seres e, enfim, todas as “obras da criação”, para substituir este modelo baseado na busca incessante e imediata pelo lucro e pela acumulação de capital, renda e riqueza, que tem gerado, muito mais do que bem estar, mas destruição do planeta e dos seres humanos, esta é uma lógica perversa que necessita ser abandonada e substituída com urgência.
Precisamos mudar, transformar profundamente todos os modelos, principalmente econômicos, sejam eles capitalistas, socialistas, comunistas, estatais, por um outro que respeite os limites do planeta e respeite os consumidores e os trabalhadores. Os atuais modelos geram muito mais miséria, fome, exclusão, desigualdades, pobreza em que vivem a grande maioria da população mundial, enquanto apenas uma minoria desfruta de elevados padrões e estilo de vida, o que tem gerado violência, conflitos, guerras, sofrimento e morte. O destino da humanidade não pode estar atrelado a tais formas de relações de trabalho e de produção, totalmente irracionais e desumanas.
Para desenvolver suas ideias centrais em torno desses temas (educação e espiritualidade ecológicas), o Papa Francisco destaca os seguintes aspectos (itens): 1) a urgente necessidade de apontar para um outro estilo de vida, não consumista, que não esteja ancorado no desperdício e no descarte; 2) necessidade de educar, principalmente as gerações mais jovens, para uma aliança entre a humanidade e o meio ambiente/a ecologia integral como a base fundamental e imprescindível para as mudanças de paradigmas e de estilo de vida; 3) a urgente necessidade de uma verdadeira conversão ecológica, a partir da identificação de que as práticas atuais e os modelos econômicos, sociais, culturais e políticos favorecem o que é chamado de “pecado ecológico e pecado social”, a partir do que, surge a necessidade da “conversão ecológica”; 4) construir um mundo novo, baseado na alegria e na paz, ou o que tem sido enfatizando em sociedades do bem viver ou na civilização do amor.
A Laudato Si (222) enfatiza que “a espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria, sem estar obcecado pelo consumo” , na verdade, consumismo, desperdício e descarte, caminhos que levam a degradação irreparável dos ecossistemas. Assim, enfatiza-se que “a espiritualidade crista propõe um crescimento baseado na sobriedade e em uma capacidade de se alegrar com pouco … e que a sobriedade, vivida livre e conscientemente é libertadora”.
É importante também que possamos construir um modelo de sociedade e de economia baseado no “amor civil e político”, pois “o cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e em estilo de comunhão” (LS,228), essas são, portanto, as bases da economia solidária, da agroecologia, da justiça ambiental e intergeracional, únicos caminhos que nos conduzem `a uma fraternidade universal, um mundo com justiça, sem exclusão, sem miséria, sem pobreza, sem fome, sem violência, sem conflitos, sem guerras e sem tanto sofrimento e morte.
É neste sentido que no contexto da ecologia integral, surge também a dimensão da espiritualidade ecológica, ou seja, tanto os seres humanos quanto as demais criaturas e componentes da natureza são “obras da criação”, razão pela qual entre 01 de setembro e 04 de outubro de cada ano a Igreja convida todos, cristãos e não cristãos, a celebrarem o Tempo da Criação.
No que concerne à educação, principalmente porque a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs e mesmo as demais religiões tem uma vasta rede de escolas confessionais , desde o ensino infantil até os cursos de pós-graduação, doutorado e pós-doutorado, que a cada ano atende dezenas ou centenas de milhões de alunos, é fundamental que as questões socioambientais, com destaque para a educação ecológica/educação ambiental estejam presentes nos currículos e práticas educacionais.
Ressalta-se que pelas escolas confessionais, no caso do Brasil, principalmente as escolas católicas (estabelecimentos escolares em todos os níveis) passam a grande maioria dos governantes, os quais deveriam colocar em práticas, ao definirem políticas públicas, nos cargos e funções ocupadas, os princípios e fundamentos do ensino aurido nessas escolas, o que quase nunca tem sido observado.
Pensando nisso, o Papa Francisco propõe um Pacto Educativo Global, em que estejam presentes não apenas as dimensões das transformações científicas e tecnológicas, mas também a ecologia integral, em seu sentido como tratado na Laudato Si, em todos os níveis, principalmente, para contemplar as crianças, adolescentes e jovens para uma reflexão crítica, criadora e libertadora em relação `as nossas relações com a natureza/meio ambiente.
Existem, também, inclusive, algumas tentativas, as quais deveriam ser replicadas, no sentido e incluir nos programas de catequese noções de ecologia integral, como parte da iniciação cristã, católica.
Tendo em vista a especificidade e as características cognitivas dessas faixas etárias, onde o aspecto lúdico é super importante, no que concerne à educação ambiental/educação ecológica, tenho mantido contato com pessoas das diferentes áreas da arte, como na literatura, na música, no teatro, na produção de recursos audiovisuais e na escultura, sugerindo que introduzam as questões ambientais, ecologia integral, principalmente voltadas para o público infantojuvenil, que são as futuras gerações, tentando despertar um pouco mais a consciência ecológica, a importância de cuidarmos melhor do planeta, combater o consumismo, o desperdício, a economia do descarte, a partir de nossas ações cotidianas em nossas residências, nossas comunidades, enfim, em nossos territórios, ou seja, como se diz “pensar globalmente e agir localmente”.
Já imaginaram o que poderia acontecer se ao invés de milhões de inserções diárias de “fake news”, de mensagem de ódio, as pessoas, as instituições, os partidos políticos, os movimentos sociais, as autoridades públicas, os governantes pudessem estar produzindo conteúdos relacionados com um melhor cuidado com a CASA COMUM, com o meio ambiente, a importância de respeitarmos a natureza, ao uso da energias alternativas, às práticas agroecológicas, as práticas solidárias, à produção e consumo responsáveis e sustentáveis?
Precisamos carrear as energias coletivas para ações positivas, para o bem comum em substituição às manifestações violentas que apenas difundem violência, o ódio, o medo coletivo e a destruição do patrimônio público como aconteceu há poucos dias, quando vândalos insandecidos destruíram as instalações do Congresso nacional, do STF e do Palácio do Planalto.
Por exemplo, na literatura infantil e juvenil, ou mesmo nos livros didáticos em todos os níveis escolares/educacionais é importante abordar a questão da ecologia integral e como a educação ecológica/ambiental nesta faixa etária pode contribuir para infundir o respeito pela natureza, pelo meio ambiente, pela cuidado com o planeta e, assim, despertar as futuras gerações quanto a importância e a necessidade desta mudança de paradigmas e estilo de vida.
Só desta forma podemos, realmente, provocarmos e promovermos mudanças de hábitos e estilo de vida, pois se continuarmos reproduzindo esta cultura do consumismo, do desperdício, da degradação ambiental, os efeitos recairão muito mais sobre essas faixas etárias que hoje são crianças, adolescentes e jovens, mas dentro de 10, 20, 30 ou 40 anos, serão adultos, muitos os futuros governantes.
A pergunta que continua martelando as nossas mentes é a seguinte: que mundo essas crianças, adolescentes e jovens estão ajudando a construir? Que mundo os espera?
Basta olharmos um pouco, para um passado não tão distante, como, por exemplo, nos últimos 50 anos, tendo como marco referencial a Primeira Conferência Mundial sobre Meio ambiente e desenvolvimento realizada sob os auspícios da ONU em 1972 na Suécia ou um outro marco significativo mais recente que foi a ECO-92, no Rio de Janeiro (1992), e avaliarmos qual o tamanho da degradação ambiental e dos ecossistemas tem ocorrido. Quantos milhões de hectares de florestas foram destruídos; quantos bilhões de toneladas de gases de efeito estufa foram emitidos e retido na atmosfera? Quantos milhões de toneladas de agrotóxicos foram usados e que tantos males tem causado à saúde humana e aos alimentos e meio ambiente? Qual o tamanho da poluição das águas, inclusive dos oceanos? Quantos milhões de hectares de terra/solo fértil foram degradados; quantos milhões de pessoas morreram em decorrência de fatores climáticos?
Apenas para se ter ideia desta catástrofe anunciada, em 4 de abril de 2022 a OMS – Organização Mundial da Saúde, por ocasião do Dia Mundial da Saúde, alertou que “Quase toda a população do mundo (99%) respira ar que excede os limites de qualidade recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que ameaça a sua saúde. Um número recorde de mais de 6 mil cidades em 117 países está monitorando a qualidade do ar, mas as pessoas que vivem nelas ainda respiram níveis insalubres de material com partículas finas e dióxido de nitrogênio, com pessoas em países de baixa e média renda sofrendo as maiores exposições”.
Deste mesmo alerta fica também a triste informação de que “Depois de sobreviver a uma pandemia, é inaceitável ainda ter 7 milhões de mortes evitáveis e incontáveis anos perdidos de boa saúde devido à poluição do ar. É isso que estamos dizendo quando analisamos a montanha de dados, evidências e soluções sobre poluição do ar disponíveis. No entanto, continua-se fazendo muitos investimentos em um meio ambiente contaminado e não em um ar limpo e saudável”, disse Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS.”
Mirando o passado e tendo em vista a progressividade da destruição ambiental em todos os setores, países e continentes, podemos imaginar como será o planeta em 2060, por exemplo. Esta tem sido uma catástrofe mais do que anunciada através de milhares de estudos e alertas de cientistas e estudiosos da ecologia integral, incluindo das questões climáticas.
Esses são alguns dos desafios que se apresentam tanto aos governantes, quanto a todas as Igrejas, religiões e demais entidades representativas da sociedade civil e aos setores produtivos, algo precisa mudar rapidamente e a educação ecológica/educação ambiental é, sem dúvida, um instrumento poderoso, mas altamente negligenciado, que precisamos utilizar cada vez mais.
Encerro este artigo citando as palavras do Papa Francisco ao final da Encíclica Laudato Si quando diz “Depois desta longa reflexão, jubilosa e ao mesmo tempo dramática, proponho duas orações: uma que podemos partilhar com todos quantos acreditamos em um Deus Criador e Onipotente, e, outra pedindo que nós, cristãos, (acrescento, principalmente católicos, inclusive a hierarquia da Igreja) saibamos assumir os compromissos para com a criação que o Evangelho de Jesus nos propõe”. (LS, 246)
Os desafios estão postos, oxalá estejamos à altura do que é esperado de cada pessoa e instituição, inclusive e fundamentalmente da Igreja Católica, leigos e sua hierarquia, da qual o Papa Francisco é o Sumo Pontífice, Pastor!
* Juacy da Silva é professor universitário aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral de Cuiabá – MT