Cuidamos ou perecemos

10 de junho de 2020
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Um novo paradigma de civilização é necessário, onde o cuidado se torna uma categoria central: “Cuidamos ou pereceremos diante da devastação da biosfera e da própria sobrevivência da espécie humana” (Leonardo Boff).

Por Diana Cristina Sosa*

Diante do constante aumento da violência nas escolas, a sociedade exige não só que a educação desenvolva habilidades humanas cognitivas e motoras, mas também que se interesse pelas habilidades de equilíbrio pessoal ou afetivo, relações interpessoais, ação e inserção social.

Ética do cuidado

O cuidado como competência integrativa de cuidar de si mesmo, dos outros e do meio ambiente, é um paradigma que produz educação de qualidade, com inclusão e felicidade. É um conceito que nasce com uma visão ética do feminino – cuidar e ser cuidado – que enriquece e expande a tradicional postura ética de obrigação e dever.

Uma prática educativa de cuidado implica empatizar-se com o próximo – que não é apenas colocar-se no lugar do outro, mas também olhar para ele a partir de seu quadro de referência – e depois envolver todos os meios que tornam possível transformar impossibilidades contingentes adversas. Uma mudança dessas características não só avança na mutação dos mecanismos punitivos tradicionais, mas também busca construir uma escola que democratize a informação, a deliberação, as decisões e a ação; isso significa regras da comunidade; que aprofunde o aprendizado emocional e o empoderamento de todos os atores da escola, de modo a gerar vida escolar e cultura política como resultado de suas inter-relações.

A mudança do paradigma punitivo para um restaurador, como proposto pela ética do cuidado, possibilita a recuperação do vitimizador, pois vítima e vitimizador devem reconhecer que um vínculo ético foi rompido e, portanto, definir a forma de repará-lo, entendendo por que o ato cometido se desviou da norma: um pacto é acordado para resolver as dificuldades que motivaram a agressão a fim de recuperar a paz.

Um projeto institucional de uma escola que se propõe a trabalhar com práticas escolares de cuidado deve ampliar a visão do trabalho e colocar no centro da análise a qualidade das práticas ensino-aprendizagem, o estilo de relações estabelecidas entre os atores da escola e os espaços de participação desses atores.

Qualidade das práticas de ensino-aprendizagem

É comum nas escolas as práticas de ensino e aprendizagem serem lidas de forma estatística: só é um sinal de alarme se um curso mostrar um alto nível de insucesso. Com a ética do cuidado, a ênfase está no aperfeiçoamento pessoal sustentado de crianças e jovens para os quais boas práticas de ensino e aprendizagem, controle do trabalho não-autoritário, ajuda, atenção e preocupação com o processo de aprendizagem e educação em valores transcendentes se tornam substantivos.

Qualidade no estilo das relações estabelecidas entre os atores da escola

Nas escolas, são estabelecidos parâmetros e instâncias de controle para verificar que, como diz a rima do berçário, “cada um joga o seu próprio jogo”. São mecanismos de controle baseados na desconfiança que devem ser desarticulados para entrar em uma pedagogia do cuidado ou, melhor ainda, para recuperar a sabedoria infantil, como nos lembra outra canção: “Deus quer que o homem possa um dia voltar a ser uma criança para entender”.

Em uma quarta série da escola acima mencionada, os alunos organizaram um debate em face das repetidas perdas de material escolar. Eles decidiram etiquetar seus suprimentos e colocar uma caixa na sala de aula, onde era possível colaborar com lápis, borrachas, apontadores de lápis etc., para que quem precisasse levá-los pudesse fazê-lo a partir da caixa.

A primeira medida de rotulagem permite-lhes evitar confusão, para que não tenham má fé em tomar os suprimentos de outras pessoas, mas possível distração; com a segunda solução, assumem uma necessidade circunstancial de seus companheiros e a satisfazem voluntariamente para que não sejam obrigados a pegar suprimentos sem permissão.

A ética do cuidado também considera e valoriza a capacidade afetiva: a amizade, a contenção e a compreensão; a estrutura construtiva que nem sempre é cordial com alunos e professores; e a abertura institucional, no sentido de liberdade, respeito e bom tratamento ao fazer e dar opiniões. Qualidade da participação dos atores escolares

Envolvimento de atores escolares

Nas escolas, as ações participativas exigem muito esforço. As práticas de cuidado são tecidas na cultura participativa dos atores escolares, abrindo espaços para a participação nas decisões e capacitando-os a tomar seu lugar e se apropriar de seus próprios atos de trabalho.

A escola é o lugar privilegiado onde os códigos sociolinguísticos de paz e convivência respeitosa podem ser compreendidos. A ética dos cuidados melhora a qualidade da educação, o que envolve mais do que aumentar as horas de matemática e linguagem ou incluir a educação social e emocional. A educação, como um sistema complexo que se reflete no aprendizado dos alunos, requer abordagens sistêmicas que envolvem todas as suas dimensões.

*Diana Cristina Sosa – Projeto Consolata Intergentes (Argentina)

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