Centros de Documentação e Pensamento Indígena realizam encontro

Reunião dos superiores e responsáveis pelos centros de documentação indígena e amazônico.

Os superiores regionais IMC no Continente América e os missionários responsáveis pelo Centro de Documentação Indígena (CDI) de Boa Vista (Brasil), Centro Amazônico de Pensamento Intercultural (CAPI) de Puerto Leguízamo (Colombia) e Centro Indígena Dani Consolata de Tucupita, Venezuela se reuniram em Boa Vista, nos dias 22 e 23 de abril de 2025.

Por Santiago Quiñónes *

Motivados pelo mandato do XIV Capítulo Geral (2023) a reunião contou com a presença do Conselheiro Geral para América, padre Juan Pablo de los Ríos, e teve como principal objetivo a recuperação e proteção da memória da missão e dos povos amazônicos, bem como o fortalecimento dos três centros. O evento contou também com a participação por videoconferência de dom Joaquín Humberto, bispo do Vicariato Apostólico de Puerto Leguízamo – Solano (Colômbia), do irmão João Gutemberg, secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e de outros missionários convidados.

Participantes do encontro visitam o CDI em Boa Vista

Durante a reunião foi destacado o direito à verdade e à informação como meio de preservar os arquivos históricos; o papel do Instituto Missões Consolata como promotor desses centros de memória; a inspiração vinda do Papa Francisco como testemunho de diálogo e escuta; o trabalho em rede entre os centros; a necessidade de colaboração com outras organizações continentais como a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), a REPAM, as dioceses, universidades, os leigos e missionários.

Memória que nasce do Território

Com o reconhecimento do território (onde as pessoas vivem, trabalham e têm presença missionária), a título de contextualização, o encontro foi aberto com as experiências do Centro de Documentação Indígena (CDI) o que levou os participantes a refletiram sobre como articular redes e elaborar propostas para integrar e fortalecer os esforços atuais.

Como resultado, foram apresentadas várias experiências de trabalho do Centro Amazônico de Pensamento Intercultural (CAPI), uma iniciativa do Vicariato Apostólico de Puerto Leguízamo – Solano.

Irmão Carlo Zaquini no CDI

Durante a reunião, foi destacada a importância de desenvolver nossas próprias epistemologias nesses espaços, conforme mencionado pelo padre Venanzio Mwangi, IMC, Superior Regional na Colômbia. “Um CDI não pode ser uma cópia dos centros de memória oficiais. Aqui, a categoria ‘memória’ nos obriga a caminhar com as comunidades”. Também foi enfatizado que há uma necessidade urgente de escolas indígenas que ensinem em línguas maternas, com uma educação que parta do território e seja apoiada pelos CDIs como espaços de dignificação cultural e apoio educacional, como explicou o padre Paulo Mzé, IMC, Superior Regional no Brasil.

A memória oral, levada ao registro escrito, gera tensões, mas também oferece oportunidades únicas de transmissão intergeracional; nesse sentido, a Dra. Leda Martins, antropóloga com vasta carreira internacional, afirmou que “a memória não é algo dado, é algo que se constrói. É uma responsabilidade histórica que o Instituto Missões Consolata pode e deve levar a sério”. A antropóloga alertou também, para “o risco de esquecimento nos jovens indígenas, que muitas vezes não conhecem a história das terras que habitam hoje”.

Testemunhos inspiradores

A líder indígena, Francivania, funcionária do CDI em Boa Vista, compartilhou sua experiência de vida no fortalecimento de sua identidade como mulher indígena por meio do trabalho de memória. “Nosso conhecimento era oral. Quando meu avô morreu, tudo foi com ele. Hoje, por meio da escrita e da Internet, posso preservar e compartilhar esse conhecimento com minha comunidade. É assim que o CDI se torna um espaço de memória, resistência, afirmação cultural e dignificação da história”, disse.

Parte dos arquivos preservados no CDI são documentos inéditos, histórias de avós, canções em línguas nativas, mitos e lendas, enriquecidos com as contribuições de pesquisa da Dra. Leda Martins em seu arquivo pessoal. “É importante ressaltar que o espaço onde esses documentos estão guardados ainda é limitado, mas seu valor é incalculável tanto para as comunidades indígenas, como no caso da Francivânia, quanto para o mundo acadêmico e de pesquisa.

Desafios e Esperanças na Ação Continental

Há um apelo urgente para articular esforços conjunto entre os três centros localizados em Boa Vista, Puerto Leguízamo e Tucupita reconhecendo que estes não devem depender apenas do interesse imediato das comunidades, mas do compromisso ético e institucional de salvaguardar a memória dos povos amazônicos, pensando na gestão e sustentabilidade desses espaços no futuro.

Este encontro foi uma clara demonstração do compromisso das comunidades amazônicas, seus missionários e líderes, em construir uma rede de pensamento, memória e ação em favor dos povos e territórios amazônicos. Foi proposto avançar na articulação continental dos centros, promover a visibilidade digital do trabalho realizado e garantir a sustentabilidade por meio de estruturas organizacionais claras e financiamento estável.

Também foi destacada a importância de conservar o patrimônio cultural, oferecer treinamento contextualizado para aqueles que trabalham na região e manter espaços permanentes de reflexão e produção. Tudo isso com o objetivo de fortalecer uma presença missionária comprometida, em diálogo com os territórios e seus povos.

O desafio é imenso, mas a esperança também. Da Amazônia, ergue-se uma memória viva, tecida com vozes, lutas e sonhos que ainda não foram escritos.

* Santiago Quiñónes, Equipe de Comunicação IMC Colômbia

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