Na Vigília Pascal, contemplamos três importantes passagens da história da salvação que são inspiração para viver os sonhos do Papa Francisco para a Querida Amazônia.
Por Júlio Caldeira, imc
Partindo da inspiração de que a palavra Páscoa, do hebreu “pesah”, significa passagem, ir adiante, nos vem à mente a proposta de seguir o caminho rumo à conversão integral, como é o sonho de Deus para a humanidade. Nas leituras da Vigília Pascal contemplamos três importantes passagens (páscoas) da história de salvação, que nos leva a fortalecer os sonhos do Papa Francisco para nossa Querida Amazônia.
PÁSCOA DA CRIAÇÃO (GN 1,1-31) – DO CAOS, DEUS CRIOU TUDO...
Essa “primeira” Páscoa nos faz ver que do nada, do vazio, tudo foi criado. Deus cria, põe ordem em tudo e nos chama, como homens e mulheres, a cuidar da Casa Comum, de toda a criação que havia feito e que viu que “era muito boa”; entre elas está a Querida Amazônia. Detendo-nos na parte final do primeiro capítulo de Gênesis (1,19-31), depois de criar o homem e a mulher a sua imagem e semelhança, vemos que Deus os abençoou e entregou todos os seres criados: peixes, pássaros, animais, plantas, árvores e vegetais para alimento.
Para cumprir esse projeto de Deus, o Papa Francisco recorda que “a Querida Amazônia apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério” (QA, 1). Refletindo nessa realidade, nos vêm muitos elementos para sonhar com o projeto de Deus de uma Igreja encarnada de modo original na Amazônia, tanto na pregação, como na espiritualidade e estruturas.
O Papa expressa quatro sonhos que a Amazônia lhe inspira a nível social, ecológico, cultural e eclesial:
“Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que sua dignidade seja promovida. Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana. Sonho com uma Amazônia que guarda zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas. Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos” (QA, 7).
Estes sonhos nos fazem ver que temos muito que trabalhar para construir o mundo “bom” que Deus sonha para todos os seres que habitamos este planeta. Por onde devemos começar?
PÁSCOA DA LIBERTAÇÃO (ÊXODO 14,15-15,1) – DA ESCRAVIDÃO À LIBERDADE…
Deus nos fez para ser livres e que tenhamos vida em abundância. Nesse ponto está a sua preocupação libertar o seu povo da escravidão. Mas, infelizmente, como no passado, muitos confundem liberdade com libertinagem, que é justamente a extrapolação dos limites da liberdade, irresponsabilidade que prejudica a si e a outras pessoas, atuar sem moderação e sem se importar com as consequências que o próprio comportamento pode ter para si, para as demais pessoas e para todo o mundo.
E é assim que muitos se tornam novamente escravos de vícios (drogas, bebidas, pornografia, mentira, corrupção, internet e redes sociais, jogos, etc.). Além do mais, há pessoas que se tornam escravos dos bens materiais e do acúmulo só para si: sua única preocupação é ter. Neste mundo, são muitas as coisas nos iludem e vamos atrás delas e deixamos a vontade de Deus num segundo lugar.
Para refletir na escravidão atual, é muito acertada a famosa frase de são Paulo (1Cor 6,12): “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém; posso fazer tudo o que quero, mas não deixarei que nada me torne escravo” (1Cor 6,12). Nós temos capacidade de fazer muitas coisas, mas nem tudo é bom; nisso somos chamados a pensar nas consequências de nossas palavras e ações antes de praticá-las.
Também na nossa Querida Amazônia, fruto do pecado e egoísmo, vemos muitas situações de injustiça e crime, como os movimentos migratórios para as periferias das cidades que ocasionam piores formas de escravidão, sujeição e miséria, e faz crescer a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas (cf. QA, 10), a exploração desordenada da terra que leva à devastação da floresta, queimadas, garimpo, agronegócios e projetos hidrelétricos, e aqui poderíamos numerar muitas outras situações, que provocam grandes dramas à população (cf. QA, 12).
Diante dessa situação “é preciso indignar-se, como se indignou Moisés (Ex 11,8), como Se indignava Jesus (Mc 3,5), como Se indigna Deus perante a injustiça (Am 2,4-8; 5,7-12; Sl 106[105],40). Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto um rastro de dilapidação, inclusive de morte por toda a nossa região” (QA, 15).
Não devemos perder o sentido comunitário e o diálogo social para encontrar a comunhão e lutar conjuntamente para construir o Reinado de Deus, que é um projeto de libertação integral.
Páscoa da Ressurreição (Novo Testamento) – da morte à vida
Jesus venceu aquela realidade que para muitos, inclusive para muitos de nós, parece impossível: a morte. Vemos nos relatos do Novo Testamento que Jesus, o crucificado e morto, foi ressuscitado por Deus! Esse é o ponto que dá sentido à nossa vida e fé.
É o encontro com Jesus ressuscitado que mantém viva a esperança dos primeiros discípulos, da mesma forma que em nossos dias, onde temos a esperança de dias melhores. Com isso somos chamados, como discípulos e missionários de Jesus, a estar plenamente com Deus em todos os momentos: nas alegrias e tristezas, na morte e na vida, nas dores e nas vitórias.
“Como cristãos, a fé em Deus une a todos, o Pai que nos dá a vida e tanto nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca de uma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem” (QA, 109).
Realmente temos muitas “lutas e sonhos”, que nos animam a viver unidos em comunidade e seguir na construção de um mundo melhor, fortalecidos pela Boa Notícia da ressurreição que todos esperamos. O Evangelho não devo guardar só para mim, de maneira egoísta e intimista, senão que devo anunciar as maravilhas que Deus realiza em nossas vidas, comunidades e sociedade, e unirmos forças para vencer os projetos de morte provocados pelas “pandemias” vivemos na atualidade e que provocam miséria e morte (do coronavirus, da corrupção, das desigualdades, da destruição da Casa Comum, da indiferença, do “usar o nome de Deus em vão”, da omissão, etc.)
“Cristo redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro” (QA, 22).
Deixemos de lado o pessimismo e mostremos que, mantendo-nos firmes na esperança e no caminho, alcançaremos a construir esse mundo melhor para todos, esse “bem viver” que anelam nossos povos da Amazônia (e de todo o mundo). Aos que estamos no caminho (cf. Lc 24,13-35), e aos que encontrarmos nele, somos chamados a unir forças, caminhar juntos e juntas neste grande projeto do Reino de Deus.
Jesus ressuscitou e quer que tenhamos vida em abundância! Sejamos agradecidos a Deus e fortaleçamos nosso compromisso com Jesus ressuscitado. Não tenhamos medo! Jesus ressuscitou, aleluia!
Pe. Júlio Caldeira é missionário da Consolata e coordenador das comunicações da REPAM