“Ser migrante”: reflexão de uma missionária na fronteira.

13 de março de 2021
Maria, mulher haitiana, explica sua história à polícia na fronteira. Foto: Equipe Itinerante

Desde o início da jornada dos 23 dias acompanhando os imigrantes haitianos e africanos na fronteira entre Brasil e Perú, escutando tantas pessoas, numa reunião falavam de aventuras. Vendo a realidade, seus rostos semelhantes, até pareciam ser iguais… ilusão; cada pessoa é única; e cada povo com suas particularidades.

Uma noite enquanto não chegava o sono ruminando o que vivemos durante aquele dia me perguntava: o que é ser migrante? Baseado no que ouvi naquele dia ia elaborando mentalmente algumas frases que – entre linhas e diretamente – saiam das partilhas e desabafos.

Ser migrante é saber aquilo que deixou para trás e nunca o que vai encontrar na frente. É buscar um lugar onde sente o coração tranquilo e feliz; ser migrante é sempre seguir viagem. Querer passar, cruzar fronteiras, seguir caminho; ser migrante é suportar o peso do caminho o calor do sol… e a indiferença das autoridades.

Os imigrantes solicitavam entrar no Peru, como lugar de trânsito. Foto: Equipe Itinerante

Ser migrante é não abrir mão da família. Soror dizia; “Como ficar sem família? Cada dia minha cabeça fica pensando, em meu pai e minha mãe. “Ser migrante é ter rota diferentes, “nem todos vão para o mesmo lugar.”

Ser migrantes é perceber que a pandemia está no coração e não na mente das autoridades peruanas dizia Maria indignada. Brasil tem um coração de Mãe que aguenta tudo. “O migrante sai porque precisa, ele não sabe se na frente estará fechado ou aberto; sai porque busca um lugar bom para viver, sabe o que ficou para trás, não o que vai encontrara na frente, vai onde o coração está tranquilo.” Migração é direito, sempre existiu. Ser migrante é enfrentar a polícia, e até tirar foto com ela no final do processo. É olhar a fronteira e insistindo no refrão, “só passar” mesmo que as fronteiras e os corações estejam fechados.

O grupo de imigrantes chegou a 700 pessoas na ponte entre Brasil e Peru. Foto: Equipe Itinerante

Ser migrante é ser valente, carregar no colo a criança como escudo no momento de romper com a segurança. E falando em crianças, elas também aprendem já no ventre que a vida é desafiadora e precisa enfrentar juntas as barreiras da travessia. Enfrentam-se mosquitos, carapanãs, borrachudos, chuvas de inverno e verão, coiotes e exploradores, catraieiros de montão… Ficar um dia sem água. Tomar banho ao relento, necessidades fisiológicas só se for ao vento.

Ser migrante é ser acolhido, amado e ouvido pela Igreja em saída… Ela, a exemplo e a pedido de Papa Francisco, deve marcar presença, sentir o cheiro e experimentar seus ‘aperitivos’… Deve olhar nos olhos deles e sentilos como irmãos\as, acariciar as crianças, compreender o silêncio das mulheres e respeitar a desconfiança própria de quem chega cada dia… E também observar como as mulheres trançam pacientemente, fio a fio os cabelos, para ficarem mais bonitas do que são; também os homens sem discriminação.

No dia 16 de fevereiro os imigrantes entraram no Peru, mas foram expulsos para o Brasil. Foto: Equipe Itinerante.

Ser migrante é demonstrar liderança, paciência e resiliência frente as situações; debater e acolher as mais diversas propostas e, desbordados em seu estado físico, continuar segurando as pontas para não esmorecer… É debater com as autoridades, traduzir aos conterrâneas, comer às presas e dar atenção as crianças.

Várias pessoas e famílias permaneram vivendo na ponte em precárias condições. Foto: Equipe Itinerante

Ser migrante nesta fronteira é aguentar preconceitos, exploração, olhares de julgamentos, enfrentar a pandemia e não perder a alegria. Aprendi muito durantes estes 23 dias de presença gratuita junto aos irmãos e irmãs, africanos, haitianos, congoleses, da Costa do Marfim, do Bangladesch, do Paquistão, da Índia… Obrigada por permiti-nos viver o evangelho do acolhimento: “eu era estrangeiro e vocês me receberam em sua cidade”.

Equipe Itinerante na tríplice fronteira Bolívia-Brasil-Peru – Foto: Equipe Itinerante

* Joaninha Honório Madeira cic, é membro da Equipe Itinerante Pan-Amazônica, que é uma aposta intercongregacional e interinstitucional que trabalha na Amazônia faz mais de 20 anos. Atualmente tem dois núcleos: um em Manaus (Brasil) e outro na tríplice fronteira Bolívia-Brasil-Peru.

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