Santo Oscar Romero (1917-1980), o dileto filho do Concílio Vaticano II e de Puebla

24 de março – dia de Santo Oscar Romero. Dia de fazer memória de santos e santas que proclamaram com a vida os segredos de Deus. Quem fala sempre planta sementes nos corações, mas quem ouve, as colhe e frutifica

Por Fernando Altemeyer Junior *

Oscar Arnulfo Romero y Galdamez ordenado presbítero da Igreja em quatro de abril de 1942, teve uma formação teológica pré-conciliar. Romero foi sagrado bispo em 25 de abril de 1970, quatro anos após o término do Concilio Vaticano II indo atuar como bispo auxiliar da capital San Salvador, em seguida como bispo de Santiago de Maria e enfim, arcebispo de San Salvador desde 22 de fevereiro de 1977.

De postura conservadora viveu sua conversão pastoral ao testemunhar o assassinato do padre jesuíta Rutílio Grande, em 12 de março de 1977, um mês após sua posse como pastor da capital salvadorenha.  Acompanhou como pastor fiel o massacre de dezenas de líderes cristãos, nos crimes orquestrados pela oligarquia do país submissa aos interesses norte-americanos e tutela da CIA. Exatos três anos após Rutílio, o próprio Romero será assassinado por ordem do General D´Aubuisson. A sua morte se assemelha a de Jesus, ocorrida aos três anos do martírio do primo João Batista, quando o Evangelho do Reino de Deus irrompeu na Palestina pela voz do Nazareno Jesus.

Dom Oscar Romero participou ativamente da Conferência de Puebla, em companhia de outros/as profetas/profetisas sementes na América Latina: Paulo Evaristo Arns, Luciano Mendes de Almeida, Enrique Alvear, Luís Bambaren, Raul Silva Enriquez, Adriano Madarino Hippólito, Rubem Candido Padim, Marcus McGrath, Helder Pessoa Câmara, Dortothy Stang, Santo Dias, Ezequiel Ramin, Margarida Alves, confirmando ser ele um dos patriarcas ou doutores da fé cristã e eminente profeta da Igreja na América Latina. 

Romero, santo canonizado pelo papa Francisco assumiu o Concílio Vaticano Segundo, viveu os textos da Assembleia de Medellin em 1968 e como participante ocular da elaboração do documento de Puebla fez sua opção vital em favor dos pobres. Sua vida de cada dia como pastor zeloso era fazer cada um dos dezesseis documentos conciliares serem recebidos e vividos nas bases de sua Igreja particular de San Salvador, no coração da América Central.

“Ele foi morto no altar”, disse Dom Vincenzo Paglia, (promotor de sua causa de canonização no Vaticano) e não em casa ou na rua, quando teria sido alvo fácil. Foi martirizado. Seu sangue se misturou com o sangue de Cristo no cálice que acabava de ofertar ao Pai de Jesus. “Através dele, quiseram atacar a Igreja que decorre do Concílio Vaticano II”. 

Sua voz é sinal de que Deus visitou El Salvador na pessoa do São Oscar Romero. Disse Romero com um vigor inaudito: “O melhor microfone de Deus é Cristo. E o melhor microfone de Cristo é a Igreja. E a Igreja são vocês, cada um de vocês”. E ainda mais forte: Se me calarem, vocês devem clamar. “Se eu morrer, ressuscitarei no meio do meu povo salvadorenho”.  

Em 24 de março novamente celebramos a memória, a vida e o testemunho de amor e compaixão de Oscar Romero, nosso amado Santo e profeta de toda América Latina.

Dia de fazer memória de santos e santas que proclamaram com a vida os segredos de Deus. Quem fala sempre planta sementes nos corações, mas quem ouve, as colhe e frutifica.

Algumas pessoas-semente: padre Josimo Moraes Tavares, padre Cícero Romão Batista, padre José de Anchieta, padre Ezequiel Ramin, padre Rodolfo Lunkenbein, frei João Bosco Penido Burnier, irmã Dorothy MAe Stang, irmã Creusa Nascimento, irmã Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes (irmã Dulce), irmã Adelaide Molinari, Sepé Tiaraju, Santo Dias da Silva, Zilda Arns, Jaime N. Wright, Martin Luther King, cardeal Paulo Arns, dom Luciano Mendes de Almeida e dom Helder Câmara, entre tantas testemunhas da América Latina e Caribe.

* Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, assistente doutor da PUC-SP

Seleção de homílias de Dom Oscar em seus anos de arcebispo de San Salvador:

“O Senhor nos ensinou que Ele é o Deus que quer estar com o povo, o Deus que sente as dores daqueles que são torturados e morrem… Sou o Pastor, o irmão, o amigo dos pobres, que conhece seus sofrimentos… Em nome deles levanto minha voz para dizer-lhes aos ricos que não idolatrem suas riquezas, que não deixem que outros morram de fome. É necessário compartilhar para ser feliz”.

Estou seguro de que a imensidade do sangue derramado e tanta dor causada às famílias e inumeráveis vítimas não será em vão. O exército deve recordar sua obrigação de servir ao povo e não de servir a uns poucos privilegiados. Ter consciência de que o suborno, mesmo que seja de milhões, é degradante. De que servem as belas autoestradas e aeroportos, os lindos edifícios de amplos andares, se estão construídos com o sangue dos pobres (que na realidade não vão desfrutar). 

Denuncio, sobretudo, a absolutização da riqueza. Este é o grande mal deste país: as riquezas, a propriedade privada, como um absoluto intocável… Não se trata de fazer política quando na homilia se apontam os pecados políticos, sociais, econômicos. Trata-se da Palavra de Deus que se encarna na nossa realidade. 

Durante a semana toda, peço ao Senhor, enquanto vou recolhendo o clamor do povo e a dor de tantos crimes, a ignominia de tanta violência, que me dê a palavra oportuna para consolar, para denunciar, para chamar ao arrependimento e, mesmo sendo uma voz que clama no deserto, é a Igreja que está se esforçando para cumprir sua missão. 

Quisera fazer um chamado de modo especial aos homens do Exército e concretamente às bases da Guarda Nacional, da Polícia e dos quarteis. Irmãos, vocês são parte integrante de um mesmo povo e matam a seus próprios irmãos camponeses, recordem-se, então, diante da ordem de matar dada por um homem prevalece a lei de Deus que diz: Não matar. Nenhum soldado está obrigado a obedecer a uma lei imoral, ninguém tem que cumpri-la. Já é hora de recuperar sua consciência e obedecer primeiro à própria consciência sem dar ouvido à ordem do pecado. Em nome de Deus e deste povo sofrido, cujos lamentos sobem ao céu, lhes suplico, lhes rogo, lhes ordeno: – Cessem a repressão! 

Dentro de nossas limitações e erros, que, como seres humanos, podemos cometer, queremos ser fiéis à nossa missão profética… Como sabemos não se levanta impunemente uma voz profética. Toda profecia tem um preço: a cruz; um fruto: a vida nova, a salvação e libertação. Mas primeiro a cruz.. Se algum dia estaciono ou pior ainda, retrocedo e chegue a dizer algo diferente do que estou agora afirmando e assumindo, vocês devem continuar. O caminho é por aqui.  

Não somos subversivos quando pregamos e denunciamos a desordem de uma situação que subverte a ordem do próprio Deus. A situação de injustiça é tão má que a fé foi pervertida.  A fé está sendo usada para defender os interesses financeiros da oligarquia.  

Nossos perseguidores estão confundidos. Ainda não entenderam uma Igreja convertida aos pobres. Sustentar a questão dos direitos dos pobres é colocar em perigo toda a ordem estabelecida. Por isso não têm outra categoria para nós senão a de subversivos. Tratam-nos do único modo que conhecem, com violências em palavras e atitudes. Nós, entretanto, não vamos abandonar nossas posições, nem a nossa esperança de que se convertam. A Igreja está sempre disposta a fazer uso do único poder que possui, o do seu Evangelho, para iluminar qualquer tipo de atividade que melhor instaure a justiça.  

Enquanto a Igreja prega somente uma salvação eterna sem compromisso com os problemas reais do nosso mundo, a Igreja é respeitada e louvada e até lhe concedem privilégios. Mas quando a Igreja é fiel à sua missão de denunciar o pecado que leva muitos à miséria esse anuncia a esperança de um mundo mais justo e fraterno, então é perseguida e caluniada, acusada de subversiva e de comunista.  

Não me considerem juiz nem inimigo. Sou simplesmente o pastor, e irmão, o amigo deste povo, que tem consciência do sofrimento do povo, da sua fome, das suas angústias; e, em nome dessas vozes, levanto minha voz para dizer: não idolatrem suas riquezas, não busquem salvá-las fazendo o povo morrer de fome. A oligarquia está tratando de organizar e ampliar suas forças para defender seus interesses. Novamente, em nome de nosso povo e de nossa Igreja lhes faço um chamado, para que ouçam a voz de Deus e compartilhem com todas as pessoas de boa vontade o poder e a riqueza, em vez de provocar uma guerra civil que nos afogue no sangue. Ainda é tempo para que tiremos nossos anéis, para não perder a mão.

As leis e demais códigos podem tornar-se anacrônicos, atolados e sem sentido se não existe uma verdadeira adaptação aos tempos que vivemos e às necessidades atuais do povo a que servimos. Este serviço desinteressado ao povo, com verdadeiras mudanças de estruturas realizará a verdadeira unidade.

Seria injusto e deplorável que pela intromissão de potências estrangeiras se frustrassem os desejos do povo… se reprimisse a esse mesmo povo e se impedisse decidir com autonomia sobre a trajetória econômico-política que nossa pátria deve seguir.

Toda instituição, incluída a castrense, está a serviço do povo. É o bem do povo o que deve orientar um câmbio de infraestrutura e de regulamentação nas instituições.

Creio que o bispo tem sempre muito que aprender do povo. É precisamente nos carismas que o Espírito dá ao povo onde o bispo encontra a pedra de roque da sua autenticidade. Quero agradecer a todos os que, quando não estão de acordo com o bispo, têm a valentia de dialogar com ele e de convencê-lo de seus erros ou de convencer-se dos próprios erros. 

Viver em comunidade não é questão de opção, mas sim de vocação. O cristianismo, por vocação, exige a formação da comunidade. Não se pode conceber o cristianismo sem a relação com outras pessoas, irmãos e irmãs, com quem concretizamos o amor fraterno que nos mesmos pregamos.

Voltem às suas paróquias… que cada um permaneça no seu posto atendendo ao povo e com as portas abertas para quem se sinta perseguido. Aqui estaremos, em sessão permanente, avaliando e planejando sobre tudo o que vai acontecendo. 

Se os cristãos se propusessem fazer verdadeiras comunidades, Povo de Deus, inspiradas na fé, iluminadas na esperança, animadas pelo amor fraterno, filhos e filhas de um mesmo Pai, estas CEBs estariam oferecendo um projeto modelo para organizar a sociedade. 

A conversão não é algo emocional e eu não ponho a Rutilio Grande isolado das CEBs… Os mais acusados, curiosamente, eram os que tinham mais e melhores trabalhos de base. Ensinou-se a dialogar, e nisso aprendi e me converti. Mas, de que teria servido (a conversão) se as comunidades me tivessem dado as costas, ou se eu tivesse dado as costas às CEBs e ao povo? A experiência da vida, a manifestação de Deus no povo sofrido é o que converte. 

É o tipo de comunidade organizada e que surge em torno da Palavra de Deus, que convoca, conscientiza e exige, ao redor da Eucaristia… celebrando ao mesmo tempo o esforço humano para abrir-nos ao dom de uma humanidade

O encontro com os pobres nos permitiu recobrar a verdade central do Evangelho… o Reino de Deus se aproxima… nisto coincide com o anelo de libertação de nosso continente e a oferta de amor de Deus aos pobres. É a esperança que oferece a Igreja e que coincide com a esperança às vezes adormecida e tantas vezes manipulada e frustrada dos pobres do continente… A Igreja não só se encarnou entre os pobres e lhes dá uma esperança, senão que se comprometeu decididamente com sua defesa. 

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