Venezuela: bispos divulgam Exortação Pastoral

18 de outubro de 2020
Comissões episcopais reunidas em Caracas na sede da CEV. Foto: CEV

Ao concluírem mais uma reunião online, os bispos da Conferência Episcopal da Venezuela divulgaram uma Exortação Pastoral sobre a dramática situação social, econômica, moral e política que vive o país governado por Nicolás Maduro.

Por Jaime C. Patias *

Iluminada pelo verso do Salmo 9: “O Senhor é um refúgio para o oprimido, um refúgio em tempos de perigo” (Sl 9, 10), a mensagem é dirigida à comunidade nacional e internacional e revela as preocupações dos bispos tratadas na reunião nos dias 13 a 15 de outubro.

Situação de emergência

“As angústias e deficiências sofridas pelo povo venezuelano são bem conhecidas, desde a escassez e falta de alimentos, até à deficiência dos serviços públicos, passando pela falta de respeito pelos seus direitos mais básicos. Este problema foi exacerbado pela emergência da pandemia de Covid-19, que deixa o seu rasto de dor e morte em todos os cantos da nossa geografia”, afirmam os bispos venezuelanos ressaltando que a Igreja católica acompanha de perto a vida do povo.

Na avaliação da Conferência Episcopal, tanto o governo quanto a oposição não apresentam um projeto para país. O governo “tem demonstrado a sua incapacidade de responder aos grandes problemas nacionais” e “parece que o seu único objetivo é permanecer no poder a todo o custo”. Por seu lado, a “oposição está dividida e não apresenta uma verdadeira alternativa para a mudança”.

População faz fila para comprar comida em Caracas. Foto: Jaime C. Patias
A política ao serviço do bem comum

Citando a Encíclica “Fratelli Tutti” (n. 154 e 155) do Papa Francisco, a mensagem recorda que o país precisa, “a melhor política posta ao servir do verdadeiro bem comum”. A dignidade do povo não é tida em conta: “O desprezo pelos fracos pode ser escondido em formas populistas, que os utilizam demagogicamente para os seus próprios fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos”. Reforçando o pensamento do Papa, os bispos recordam que qualquer das ideologias políticas, “a prioridade é o povo, o bem comum, e não os interesses pessoais ou de grupos”.

Forçados a emigrar
Bispos venezuelanos com o Papa Francisco no Vaticano em 2018. Foto: Vatican News

Os cidadãos estão “cansados” de serem “enganados” pelas repetidas promessas. “O povo venezuelano exige liberdade para reclamar os seus direitos constitucionais”. Muitos vendem “os seus poucos pertences” e deixam o país. “Mais do que emigrar, estão fugindo de um país que não oferece garantias de uma vida digna. Os bispos denunciam “os maus tratos das autoridades militares e policiais que, pelo caminho, os apreendem e lhes subtraem os seus pertences e o dinheiro. Em vez de os proteger, como juraram fazer perante Deus e o país, os humilham e consideram como cidadãos de segunda classe. Estas são realidades que clamam ao céu”, denuncia a carta.

Crimes contra a humanidade

A mensagem dos bispos venezuelanos afirma que “a dignidade das pessoas é amplamente desrespeitada no nosso país e muitas das situações sofridas constituem crimes contra a humanidade”. Portanto, eles exigem que “os responsáveis por execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura sejam julgados, e que as instituições do Estado atuem, de acordo com a lei, para que estes atos abomináveis não voltem a ocorrer”. Os bispos fazem críticas também à atuação da Assembleia Nacional Constituinte, que segundo eles, “é mais uma expressão da vontade do governo de conduzir o nosso país por outros caminhos que não os da legalidade, e assim, esbanjar os recursos nacionais que pertencem a todos”

Centro de Triagem de imigrantes venezuelanos em Boa Vista, Roraima. Foto: Jaime C. Patias
As próximas Eleições

Para o dia 6 de dezembro, estão previstas as eleições legislativas. Além de chamar a atenção para as dificuldades na realização do pleito durante a pandemia de Covid-19, os bispos denunciam a falta de “transparência nas regras e mecanismos de verificação que devem reger o processo eleitoral”. Eles destacam que “a vontade maioritária do povo venezuelano é de definir o seu futuro político pela via eleitoral. Isto implica em eleições legislativas e presidenciais genuínas com condições de liberdade e igualdade para todos os participantes, e com o acompanhamento e monitoramento de organismos internacionais plural”.

Apelo à unidade

Os bispos alertam ainda que, “a mera abstenção não é suficiente para mostrar a ilegitimidade do processo e alcançar a mudança política tão desejada”. E concluem fazendo um apelo à unidade das várias organizações civis, “universidades, sindicatos, academias, empresários e trabalhadores, comunidades de povos indígenas e jovens” para restaurar os direitos democráticos da Nação. Nesse sentido, “é necessário acompanhar o protesto pacífico, cívico e social que agora se espalha por todo o país, estabelecer um caminho claro para a transformação política, democrática e civil, e ultrapassar os personalismos que prejudicam a missão coletiva de alcançar uma Venezuela onde a justiça e a paz voltem a prevalecer”.

* Jaime C. Patias, IMC, é Conselheiro Geral para América.

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