A Segunda Sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que acontece de 2 a 27 de outubro 2024 na Sala Paulo VI do Vaticano, continua a debater temas importantes para uma Igreja com rosto sinodal que redescobre “comunhão, participação e missão”.
Por Jaime C. Patias *
Quase todos os dias, na Sala de Imprensa da Santa Sé acontecem coletivas de imprensa onde os jornalistas de todo o mundo são informados sobre os trabalhos. Nesta quarta-feira, 9 de outubro, os convidados para aprofundar questões relacionadas ao caminho sinodal, foram o arcebispo de Nampula e presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, dom Inácio Saúre, missionário da Consolata; o arcebispo de Puerto Montt (Chile), dom Luis Fernando Ramos e o diácono permanente da diocese de Gent (Bélgica), Geert De Cubber.
Reportamos as intervenções de dom Inácio Saúre em resposta às perguntas dos jornalistas.
Cristiane Murray: Este Sínodo sobre a Sinodalidade traz uma grande novidade para a sua Congregação (missionários da Consolata) com o novo santo?
O sínodo traz uma grande novidade também para a família Consolata por que no dia 20 de outubro celebrará a canonização de José Alamano, o nosso Fundador que eu comecei a conhecer desde os tempos de seminarista nos anos 1980. No contexto do Sínodo o próprio tema “como ser Igreja sinodal missionária” é muito caro a mim pessoalmente como missionário da Consolata por que o Bem-Aventurado José Allamano criou um Instituto para a missão ad gentes.
Entre os temas debatido pelo Sínodo gostaria de destacar a importância da iniciação cristã para realizar um encontro pessoal com Cristo em um contexto em que muitos jovens depois do sacramento da Confirmação desaparecem da Igreja. Obviamente isso nos faz compreender que este aspecto não é muito profundo.
Outro tema que mereceu particular atenção é a partilha de dons entre as igrejas, ou seja, a partilha entre os seres humanos. Um dos números do Instrumentum laboris (do Sínodo) falava da partilha de dons materiais no contexto em que temos igreja mais ricas e outras que estão mesmo na miséria. Como chegar a uma partilha de dons materiais em uma Igreja sinodal sem negligenciar outros aspectos como a partilha espiritual, teológica e pastoral.
Importante ainda é o tema do conhecimento mútuo entre a Igreja católica latina e a Igreja católica oriental que, muitas vezes, nós católicos conhecemos pouco e talvez os orientais nos conhecem pouco. Em um contexto de Igreja sinodal foi sublinhado que isso é muito importante para o nosso enriquecimento mútuo e que a Igreja oriental também tem muito a nos oferecer nessa partilha de dons.
Jaime C. Patias: Nessa troca de dons, em que o Sínodo poderia contribuir na busca de soluções para situações de conflitos, violência e guerras onde populações inteiras sofrem como acontece hoje em Cabo Delgado (Moçambique) e outras regiões do mundo?
Eu penso que a primeira coisa que o Sínodo tem a possibilidade de dar é o conhecimento da realidade. Essa guerra começou em outubro de 2017 com fortes ataques a vilas de grande importância. Agora aparentemente parece estar parada porque não temos ataques fortes em vilas, mas dos pequenos ataques nas aldeias quase não se reportam. Infelizmente o sofrimento que esta guerra criou é muito presente. A guerra produziu cerca de 5 mil mortos e de 1 milhão de deslocados internos, dentro da Província de Cabo Delgado e nas províncias vizinhas como Nampula onde sou arcebispo, e na Província do Niassa.
Num primeiro momento houve muitas intervenções com a participação de organizações humanitárias para ajudar, mas hoje praticamente estas populações foram abandonadas à sua própria sorte por que são vistas como pessoas que chegaram de outros lugares e estão ali instaladas e não são vistos mais como deslocados em situação de emergência. Portanto, eu penso que o Sínodo poderia, conhecendo a realidade dizer o que de fato se poderia fazer. A falta de informações pode não ajudar as outras igrejas irmãs a irem ao encontro destas populações sofridas e necessitadas. Até aqui muito tem sido feito, mas hoje o povo precisa mais.
Anna Tulli (Lanza): Considerando a sua experiencia de missionário da Consolata o senhor vê uma mudança de paradigma na missão onde antes os europeus evangelizam o mundo e se em breve veremos os africanos evangelizando a Europa cada vez menos cristã?
Penso que esta possibilidade está aberta, mas ao mesmo tempo a Igreja na África, em particular em Moçambique, também se depara com o problema de meios financeiros para a formação de missionários. Por isso, nessa partilha de dons se a África pode ter esse apoio penso que há essa possibilidade. Para dar um exemplo, recentemente na nossa visita ad limina dos bispos de Moçambique, apresentamos os grandes projetos que temos de formação nos seminários e a dificuldade financeira para levar a frente. Na minha arquidiocese, além do Seminário diocesano Propedêutico, temos um Seminário interdiocesano de filosofia que não conseguimos concluir por falta de recursos. O Santo Padre nos prometeu uma ajuda e nos deixou de certo modo confortáveis. Portanto acredito nessa mudança de paradigma na missão.
Danúbia (Canção Nova): O senhor falou da iniciação cristã, tem algum ensinamento do seu Fundador que será canonizado e que pode contribuir para esse processo?
Eu trabalhei na RD do Congo e colhi uma bela experiência de iniciação cristã do grupo de jovens “Bilenge ya mwinda” (Jovens da Luz) que procura incorporar elementos da cultura na vida cristã que é uma boa iniciativa. Em Moçambique não temos muitas iniciativas nesse sentido. Durante seis anos eu fui encarregado da pastoral juvenil e temos trabalhado para conceber uma pastoral juvenil com os jovens, para os jovens e pelos jovens. Penso que isso pode ajudar a melhorar.
Quanto ao Bem-aventurado José Allamano que será canonizado ele tinha um lema que me deixou profundamente marcado: “primeiro santos, depois missionários”. Eu diria também, primeiro santos, depois cristãos. Eu fui mestre dos noviços e quando citava esse lema do Fundador, os jovens brincavam comigo dizendo “então o padre já é santo?” Eu respondia: eu devo ter a propensão para a santidade. Essa feliz coincidência da canonização de José Allamano em pleno curso do Sínodo sobre a sinodalidade também pode ser um contributo para a Igreja missionária.
* Padre Jaime C. Patias, IMC, Secretariado para Comunicação em Roma.