Com a conclusão do Congresso, realizado em Luziânia/GO, entre os dias 8 a 10 de novembro, missionários e lideranças indígenas saem esperançosos e planejam novas estratégias de apoio e proteção aos direitos originários
Por Assessoria de Comunicação do Cimi
Esperança é sinônimo de acreditar e confiar que algo bom irá acontecer. E, quando o sentimento é compartilhado, a possibilidade de o desejo ser realizado é ainda maior. Unidos por uma corrente de luz e esperança, missionários e missionárias, lideranças indígenas e defensores dos direitos originários fizeram os corações pulsarem ainda mais forte no último dia do Congresso dos 50 anos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Com o tema “Esperança: o que queremos, o que emerge para o futuro?”, o Congresso foi encerrado nesta quinta-feira – 10 de novembro. Mas, antes mesmo que as atividades fossem concluídas, teve muita emoção, cantos e partilhas – culturais, de vivências e até de sementes.
Logo ao amanhecer, os participantes se reuniram na escadaria do Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), e, ao som de cantos e das cordas do violão, foram distribuídas sementes de diferentes regiões do país. Em seguida, uma grande marcha andou em direção ao auditório principal do espaço.
De mãos dadas, mulheres que historicamente contribuem com a defesa dos povos originários abriram as atividades do terceiro – e último – dia do Congresso. Beth Myky, uma das primeiras missionárias do Cimi, contagiou o público ao abrir espaço para a fala das mulheres: “o sistema queria nos matar, mas não sabiam que éramos sementes”.
“O sistema queria nos matar, mas não sabiam que éramos sementes”
Em seguida, Izabel Xerente, anciã do povo Xerente, do Tocantins, agradeceu a caminhada do Cimi ao lado dos povos indígenas e disse que é preciso “lutar juntos”. “O Cimi é nossa mãe, Deus o mandou para lutar por nós. Estamos aqui, todos juntos, então temos que lutar juntos até o fim de nossas vidas”, afirmou Izabel.
Jussara Rezende, missionária do Cimi Regional Sul, enalteceu a força dos povos originários. “Queria lembrar da espiritualidade dos povos indígenas, dessa força que eles têm e que nos contagia. Essa espiritualidade, que conversa com a gente, que dialoga muito mais conosco do que nós com eles. E isso, para mim, é uma fonte de força muito grande”.
“Queria lembrar da espiritualidade dos povos indígenas, dessa força que eles têm e que nos contagia”
Ainda nesse momento de falas e partilhas, irmãs e missionárias do Cimi lembraram de Dorothy Stang (Irmã Dorothy), religiosa norte-americana – naturalizada brasileira – que tanto lutou pelas florestas, pelos povos originários e camponeses – e que foi injustamente assassinada por, simplesmente, defender o amor.
Vencemos a ‘noite escura’
Em outro momento do dia, Luis Ventura, secretário adjunto do Cimi, resgatou o sentimento de esperança ao lembrar que o Brasil saiu de uma “noite muito escura” – referindo-se ao término do governo Bolsonaro.
“A nossa esperança nos alimenta. A nossa esperança persiste, porque temos uma missão, um projeto a construir e viver desde já. Um projeto da sociedade do Bem Viver. Estamos saindo de uma noite muito escura, de uma noite que teve muita hostilidade, criminalização, desmonte, muita desconstitucionalização nos últimos quatro anos”.
“Estamos saindo de uma noite muito escura, de uma noite que teve muita hostilidade, criminalização, desmonte, muita desconstitucionalização nos últimos quatro anos”
E, agora, ao sair desse tempo nebuloso e hostil, Luis partilha o seu sentimento de esperança com o que está por vir.
“Apesar de tudo o que foi feito contra os povos indígenas, contra todos nós, conseguimos derrubar a tirania. Estamos agora em um cenário novo, com novas possibilidades, novas conquistas. Começamos a escutar que o garimpo em terras indígenas será combatido, e que será criado o Ministérios dos Povos Indígenas. O nosso projeto é ainda maior, a luta dos povos indígenas é ainda maior”.
“Sempre foi hora de esperançar, porque esperançar é uma forma de ser e estar no mundo. É um momento de abrir os olhos, o coração e assumir a hora”, concluiu, recordando uma fala de Dom Pedro Casaldáliga.
Caminhos a seguir
No dia 9 de novembro – segundo dia do Congresso –, os participantes se dividiram em grupos temáticos para discutir os possíveis caminhos daqui para frente. Como parte da programação do dia 10 de novembro, foram partilhadas as linhas estratégicas elencadas nas reuniões de quarta-feira (9).
Jussara Góes Fonseca, coordenadora do Cimi Regional Norte I, trouxe para esse momento a importância de o Cimi continuar se mobilizando para preservar e fortalecer os povos indígenas.
“Para nós, missionários, falando por mim, é ver a força e luta dos povos indígenas no dia a dia. Não só nas manifestações, mas também nas aldeias. Tudo isso alimenta a nossa esperança a cada dia. O nosso apoio e fortalecimento das assembleias indígenas é muito importante para manter a luta e a resistência a megaprojetos de empreendimentos, como a construção de rodovias que passam por territórios indígenas e devastam a vida e as florestas, e as hidrelétricas. A resistência ao garimpo e à mercantilização da natureza”.
“Para nós, missionários, falando por mim, é ver a força e luta dos povos indígenas no dia a dia”
“Vocês são perseguidos por fazendeiros, policiais, madeireiros, por todos os tipos de invasores, e mesmo assim continuam firmes. Muitas pessoas também morreram na pandemia, mas nós continuamos e vamos lutar até o final. Se antes chegávamos em um fusca com barulho de avião, imagine agora que viemos de ônibus para o Congresso do Cimi. Qual barulho faremos daqui para frente?”, concluiu com o questionamento, seguido de aplausos da plenária.
‘Fila do Povo’
Como parte do último dia do Congresso, já na parte da tarde, foi aberto um momento de falas do público presente. Para isso, foi formada uma fila – carinhosamente chamada de “Fila do Povo” pelo coordenador do Cimi Regional Mato Grosso, Gilberto Vieira dos Santos (Giba) – para que cada pessoa pudesse falar.
Lideranças indígenas de todo o país aproveitaram a oportunidade para compartilhar suas vivências dentro dos territórios, e também agradecer ao Cimi pela caminhada em conjunto ao longo das cinco décadas de existência.
Uma das falas marcantes foi a de André Karipuna, do povo Karipuna, de Rondônia. A liderança falou que a sua maior esperança é livrar o seu território dos invasores.
“A esperança que eu tenho é que nós possamos tirar os invasores de nossa terra, como os madeireiros e garimpeiros. Terra é vida, tudo o que tem na terra é vida. E só tem vida e terra com a floresta em pé. E isso serve para todos, para nós indígenas, para quem está na cidade, para o mundo. Com a ajuda do Cimi e da nossa luta, vamos conseguir”, afirmou André Karipuna.
“Terra é vida, tudo o que tem na terra é vida. E só tem vida e terra com a floresta em pé”
Desmatamento e queimada de mais de 100 hectares dentro da TI Karipuna na região do Rio Formoso, registrado em 2021, durante monitoramento feito pelo povo Karipuna, Greenpeace Brasil e pelo Cimi. Foto: Christian Braga/Greenpeace
O desejo de ver os territórios demarcados, a justiça cumprida e os invasores expulsos foi também compartilhado por outras lideranças que participaram da “Fila do Povo”. Assim, no país inteiro, a luta do Cimi ao lado dos povos indígenas irá se perpetuar em prol da defesa da cultura, da língua, da religião, dos valores e dos direitos originários – ascendendo, cada vez mais forte, a chama da esperança e da paz.
Fonte: Cimi