Bispo de Roraima denuncia agressões ao povo Yanomami e faz apelo em defesa do seu território

Dom Mário Antônio, bispo de Roraima, nomeado Arcebispo de Cuiabá, em carta lida durante a missa do seu envio (23/04) em Boa Vista, denúncia a omissão do Governo e a ganância dos garimpeiros que agridem severamente o povo indígena Yanomami ameaçando a sua existência.

Por Jaime C. Patias

“Desde os monges beneditinos e os missionários e missionárias da Consolata, a causa da vida dos povos indígenas foi assumida como anúncio da dignidade humana e, por vezes, com denúncia daquilo que negava o Evangelho e os direitos humanos”. Assim inicia a carta de Dom Mário Antônio lida durante missa de envio da Diocese de Roraima para a Arquidiocese de Cuiabá, no Mato Grosso, onde tomará posse como Arcebispo no dia 1º de maio.

A mensagem faz memória dos diversos momentos de sofrimento vividos pelo povo Yanomami nos últimos 50 anos em consequência da invasão de seu território especialmente pelo aumento do garimpo e destaca a luta assumida pela Igreja em sua defesa.

“A cada dia chegam notícias de toda forma de abusos contra os Yanomami. As imagens espalhadas no mundo das redes sociais e nas TVs são uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo. Outra forma de violência não menos cruel, consiste na distribuição de armas e bebidas que provocam conflitos entre eles. Colocar irmãos contra irmãos é atualizar o pecado de Caim e Abel”, afirma um trecho da mensagem.

Registro de garimpo ilegal na TI Yanomami. Foto: Chico Batata/Greenpeace Brasil

O Arcebispo eleito de Cuiabá e 2º vice-presidente da CNBB, denuncia os vários crimes que estão acontecendo contra os Yanomami, algo que definiu como “uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo”.

“Denunciamos a omissão e a responsabilidade do Governo Federal, que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas”, destaca.

Dom Mário conclui a sua mensagem convidando os cristãos e todos os irmãos e as irmãs de boa vontade, a se “unirem na defesa e na garantia da vida e do território do povo Yanomami”; “a promover a Justiça e não compactuar com o projeto de morte”; e “a assumir o compromisso de defesa e do cuidado para com a Casa Comum”.

Ao final, a carta cita Dom Aldo Mongiano, IMC, bispo defensor da causa indígena em Roraima, que dizia na década de 1980 – 1990: “o bem de alguns não pode causar a morte de outros” e escrevia em nome de todos os cristãos: “é um privilégio ter os Yanomami na sociedade de Roraima.”

Dom Aldo Mogiano com missionários e missionárias da Consolata na Missão Catrimani. Foto: Arquivo IMC
Confira abaixo a íntegra da Carta do Bispo de Roraima

Carta ao Povo de Deus e aos Homens e Mulheres de Boa Vontade.

Boa Vista, 23 de abril, 2022

“Eu vim para que todos tenham vida”, disse Jesus (Jo 10, 10).

Irmãos e irmãs, Com os primeiros contatos que os missionários da Igreja Católica em Roraima tiveram com os povos indígenas a defesa da vida, de suas culturas e de suas terras entrou no caminho da Evangelização. Desde os monges beneditinos e os missionários e missionárias da Consolata, a causa da vida dos povos indígenas foi assumida como anúncio da dignidade humana e, por vezes, com denúncia daquilo que negava o Evangelho e os direitos humanos. Seguindo Jesus Cristo continuamos a afirmar a vida em abundância para todos. “Passar de condições menos humanas para condições mais humanas” é Evangelizar, nos lembrava São Paulo VI.

Na década 1950 os missionários da Consolata vão ao encontro do povo Yanomami que por sua abertura, os acolhem e passam a morar com eles, em 1965 fundam a Missão Catrimani, tão conhecida entre nós.

Dom Mário Antonio.

Na década de 1970 os Yanomami começam a sofrer a invasão de seu território com a construção da perimetral norte. Nasce no coração dos missionários, organizações e tantos amigos e amigas o compromisso na luta pelo reconhecimento de suas terras. Era o caminho para a garantia da vida e da cultura Yanomami, como um bem para a humanidade.

Entre 1980-1990 o território Yanomami era invadido por aproximadamente 40 mil garimpeiros durante a primeira corrida do ouro em Roraima. Quem de nós não conheceu a aflição desse povo que chegou à beira de um genocídio? Tantas campanhas como: o “SOS Yanomami” e “Yanomami Urgente” e outras mais, que ultrapassaram as fronteiras tornando os Yanomami conhecidos pelo mundo afora e gerando uma rede de solidariedade e de luta para que a terra e a vida desse povo fossem protegidas.

Não é possível esquecer o massacre de Haximu, caracterizado como o primeiro genocídio pela Justiça brasileira, em que vários indígenas foram dizimados num confronto cruel e desigual. Nasce no Brasil e no exterior uma ampla campanha em favor da demarcação da Terra Indígena Yanomami, homologada em 1992, exatamente há 30 anos.

Nos últimos 3 anos, o dragão devorador da mineração tomou força novamente e avança com toda ferocidade e poder das organizações criminosas sobre a Terra Yanomami. Quem de nós não têm acompanhado as impactantes notícias das agressões armadas às aldeias, as várias mortes causadas pelo garimpo, tais como a draga que sugou as duas crianças no rio Parima, em outubro do ano passado, e a violação de meninas e mulheres que são aliciadas em troca de comida pelos donos do garimpo?

A cada dia chegam notícias de toda forma de abusos contra os Yanomami. As imagens espalhadas no mundo das redes sociais e nas TVs são uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo. Outra forma de violência não menos cruel, consiste na distribuição de armas e bebidas que provocam conflitos entre eles. Colocar irmãos contra irmãos é atualizar o pecado de Caim e Abel.

Crianças Yanomami na Missão Catrimani. Foto: Jaime C. Patias

Denunciamos a omissão e a responsabilidade do Governo Federal, que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas. Tal proposta não passa de uma ilusão enganadora de supostos benefícios. Sofrem os povos indígenas, a natureza, os ribeirinhos e as cidades com os rios e os peixes envenenados pelo mercúrio, e sofrem também as pessoas iludidas que buscam no garimpo um modo de escapar das duras condições de vida no Brasil, mas encontram servidão, violência, drogas e morte. Deus nos livre dessa maldição!

Convidamos os cristãos e todos os irmãos e as irmãs de boa vontade, à luz da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, a vitória da vida sobre a morte:

– a se unirem na defesa e na garantia da vida e do território do povo Yanomami, estabelecidos na Constituição Federal;

– a promover a Justiça e não compactuar com o projeto de morte que autoriza a mineração nas terras indígenas;

– a assumir o compromisso de defesa e do cuidado para com a Casa Comum, pois já sentimos os efeitos devastadores do garimpo, com o envenenamento de nossos rios Mucajaí, Uraricoera… que já nos atingem.

Dom Aldo Mongiano, dizia na década de 1980 – 1990: “o bem de alguns não pode causar a morte de outros” e escrevia em nome de todos os cristãos: “é um privilégio ter os Yanomami na sociedade de Roraima.” Assim, irmãos e irmãs, que Deus nos socorra nesta hora de construção da paz, do bem viver e da esperança da terra sem males que vem a cada manhã!

Dom Mário Antonio da Silva, Bispo de Roraima

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