“Em busca de um presente e de um futuro comum, que é a vida”.
Por Luis Miguel Modino *
Em um mundo onde os ataques contra os excluídos estão aumentando a cada dia, as alianças se tornam instrumentos decisivos para abordar estas questões. Este foi o motivo da convocação da Assembleia Mundial pela Amazônia dois meses atrás, uma ideia que no primeiro momento surgiu da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica – COICA, do Fórum Social Pan-Amazônico – FOSPA, e da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, à qual se juntaram desde então milhares de pessoas e organizações.
Em uma situação em que a vida está cada vez mais ameaçada, diante do descaso dos governos, é cada vez mais necessário articular o cuidado com a vida dos povos, algo que vai além do próprio evento da Assembleia Mundial pela Amazônia, que com a participação de milhares de pessoas foi realizada nos dias 18 e 19 de julho de 2020. Na realidade, é um processo que está começando, que conta com a presença dos espíritos da floresta e a memória dos antepassados, de tantos sábios que partiram nos últimos meses, vítimas da Covid-19.
Como demonstrado desde o início da Assembleia, a força do Espírito da Criação esteve presente com uma ação transformadora. Daí surgiu o chamado para “amazonizar-nos em defesa da casa comum”, como enfatizou Moema Miranda, sabendo que nesta dinâmica “os povos indígenas são os que nos guiam, mas eles precisam de nossa ajuda”. Segundo a assessora da REPAM-Brasil, trata-se de construir uma nova realidade diante de um sistema ecocida e etnocida. Segundo ela, este é o momento de deixar claro que a morte não terá a última palavra, que o projeto dos poderosos, que rouba o futuro, não terá a última palavra.
A Assembleia Mundial pela Amazônia foi um chamado a “se encontrar por caminhos diferentes em busca de um presente e de um futuro comum, que é a vida”, como afirmou Gregorio Díaz Mirabal. Sabendo que “não somos iguais, somos interculturais”, o coordenador da COICA vê este momento como uma oportunidade para “mostrar a riqueza da diversidade da floresta amazônica e seus povos”, que estão unidos pela “dor, a emergência, a esperança, a rebelião”. Diante de um modelo de desenvolvimento que está doente, ele viu a Assembleia como uma oportunidade de “buscar o equilíbrio para que nosso presente e nosso destino sejam melhores”, sabendo que “não é fácil, mas é possível”.
É hora de questionar “este modelo de desenvolvimento que prefere sangrar a Amazônia e seus povos; não queremos que nossa riqueza sirva ao bem-estar dos chamados países desenvolvidos, deixando poluição e doenças”, insistiu Diaz Mirabal, que vê a necessidade de uma disposição para sentar-se e conversar. O líder indígena pediu: “despertar a consciência, promover a ação, precisamos de todos vocês, sem discriminação, a Amazônia precisa de nós juntos para começar uma luta e dizer que basta”. O objetivo é “que a consciência do planeta comece a se mobilizar, que as ações comecem”, pois como ele denunciou, “este modelo está nos matando a todos, moralmente, espiritualmente e fisicamente”.
Em suas palavras, o cardeal Barreto, vice-presidente da REPAM, que mostrou sua alegria por poder participar da Assembleia, disse “trazer a proximidade do Irmão Francisco como lhe dizem os povos indígenas, nós o amamos porque você também nos ama e nos convidou a participar do Sínodo”. O cardeal peruano quis ser “o portador desta presença de solidariedade da Igreja Católica com os povos originários da Amazônia, que estão neste ecossistema vivo, que toda a humanidade tem que cuidar”. Pedro Barreto denunciou a ganância, o extrativismo, a falta de respeito pela vida humana, como elementos que vêm destruindo a Amazônia e os povos originários.
Diante deste sistema tecnocrático que exclui e deixa as pessoas de lado, o vice-presidente da REPAM apontou que “os povos amazônicos, em sua diversidade, dão uma lição de unidade para o bem de todos, em uma ação conjunta diante dos grandes desafios que se apresentam hoje para a Amazônia, o que nos ajuda a sentir que da diversidade somos enriquecidos e que a diversidade cultural não é uma ameaça à unidade”. Barreto também denunciou “o etnocídio e o ecocídio, que continuam a ser vividos nesta época de pandemia, que não confina aqueles que querem destruir a beleza da Amazônia”.
Diante desta realidade, “é necessária uma ação conjunta para cuidar da vida e da natureza, na qual os povos amazônicos possam contribuir com um estilo de vida sóbrio que respeite a natureza e as pessoas”. O cardeal lembrou que “Roma se Amazonizou no mês de outubro e foi deixado um sinal de que a Amazônia é importante para o mundo e aguarda uma resposta dos povos originários”. Além disso, ele deixou claro que “nosso irmão Francisco lançou este grito da Amazônia, que não é mais invisível, temos que agir juntos para tornar visível que a Amazônia é objeto de uma ação global conjunta”. Ficou claro que “este é nosso compromisso como Igreja, aliada aos povos amazônicos, com vocês vivemos e também morremos, se necessário, mas Deus está do nosso lado”, concluiu o Cardeal.
Este tempo de pandemia é visto por Luz Mery Panche, representante do FOSPA, como um chamado para “parar um pouco nesta corrida louca que trazemos, para pensar como humanidade o que somos, se estamos dispostos a existir neste planeta ou se queremos destruí-lo”. Em um sistema capitalista que vem escravizando os povos amazônicos, a indígena colombiana vê a necessidade de “fazer uma revolução, este modelo de desenvolvimento não é o único que existe, devemos voltar à origem”, afirmando que “a economia não é a acumulação material, mas sim a recuperação do ser humano”. Esta situação está presente no atual modelo extrativista, incentivado pelos governos da região, em especial o brasileiro, como ressaltou Wemerson Santos, que apelou para uma ação comum que leve a ser construtores do bem viver.
A Assembleia também serviu para mostrar a realidade da Amazônia e seus povos, as ameaças que sofrem com os incêndios, grandes projetos agrícolas e minerais, combustíveis fósseis e a falta de estruturas de saúde e educação, algo que Sonia Guajajara diz ser uma consequência da política genocida do governo Bolsonaro, que ela vê como um incentivo para a pandemia, acabando com a vida dos povos indígenas, o que requer estratégias de enfrentamento. São realidades que se repetem em todos os países da Pan-Amazônia, onde os povos indígenas continuam sendo vítimas de racismo e violência, vítimas de um abandono sempre presente, mas que apareceu ainda mais claramente neste tempo de pandemia.
Estavam presentes na Assembleia as manifestações artísticas e culturais da região, contou com a contribuição do mundo científico, fazendo um chamado, nas palavras de Antonio Nobre, para despertar a “capacidade de observar a natureza com o coração, onde reside o amor, não apenas com a mente”. A primeira mulher indígena eleita como deputada federal no Brasil, Joenia Wapichana, definiu a Assembleia Mundial pela Amazônia como um momento de reflexão e participação, algo urgente diante das indústrias extrativistas e do genocídio sofrido pela Amazônia no Brasil, com graves ataques aos povos originários, vítimas de um presidente que vetou um projeto de lei para atender aos povos originários e comunidades tradicionais, elaborado pelo deputada, negando o acesso à água potável, uma emergência em uma região onde os rios foram contaminados pelo garimpo, especialmente no território Yanomami, onde há uma estimativa de 20.000 garimpeiros ilegais, que levaram a Covid-19 para os territórios indígenas.
A Assembleia foi ainda um momento de discussão, de busca de caminhos futuros em torno de três eixos, a Covid-19 e seu impacto sobre as populações indígenas e amazônicas, o boicote de produtos, empresas, indústrias extrativistas, negócios e acordos comerciais e, finalmente, um grupo de mobilização para determinar o plano de ação para os próximos meses. Foi uma ampla discussão, para a qual se registraram mais de três mil participantes, o que mostra o interesse despertado por esta Assembleia Mundial pela Amazônia, que pode ser um forte impulso na conscientização para a defesa de uma região que gera o oxigênio vital para um mundo que está se afogando, especialmente nesta época de Coronavírus.
DECLARAÇÃO DA PRIMEIRA ASSEMBLEIA MUNDIAL PELA AMAZÔNIA
Algo novo está nascendo. Conseguem escutar?
Dá para ouvi-lo, no meio dos gritos da Amazônia.
Levanta-se a luta dos povos amazônicos, atacados em seus territórios, suas memórias e culturas. Cresce o grito ensurdecedor da floresta, derrubada, queimada, saqueada pelo extrativismo violador, que só obedece ao poder e à ganância.
Nem mais uma gota de sangue e dor em produtos de consumo nas cidades do mundo!
Há um mutirão de resistência dentro das comunidades da floresta, do campo e da cidade, que estão se organizando frente à devastação e à fome que podem continuar após esta pandemia.
Porque o ecocídio, etnocídio e terricídio avançam pior que o vírus.
Os corpos e territórios das mulheres e da terra são, historicamente, violentados por um sistema patriarcal, colonial e capitalista, que não entende dos cuidados da vida.
No entanto, no meio da dor, como se fosse um parto, algo novo está nascendo: um tecido rebelde de muitos espíritos da floresta e do cimento, que lembram que todas e todos somos Amazônia.
Esse tecido nasce na angustiante certeza de saber que não há mais tempo. É hora de nos unirmos na diversidade dos saberes dos povos de Abya Yala e do mundo, e nas culturas do cuidado, para devolver o espírito da floresta à humanidade.
Amazoniza-te!
Os rios amazônicos nos atravessam, dão-nos o ar, cantam para nós canções de liberdade; somos filhas e filhos da Terra e da Água, dentro delas nossas raízes são nutridas e coexistem com as estrelas da Onça-pintada no Universo.
Amazoniza-te!
É agora ou nunca!
Entre na selva dos nossos sonhos, lutas e resistências!
Faça parte do processo de criação das Assembleias Mundiais para libertar a Amazônia e os povos que a habitam.
Mais forte que todas as vozes de morte, será o grito de vida
que nasce da Amazônia e do mundo!